Louvável
a capa da revista de domingo do Globo, pena que demoraram tanto para
acordar pra vida. Essa onda já existe há muito tempo, desde os anos 90
nas faculdades de artes, ciencias sociais, comunicaçao social. O
problema é o que estigma era maior que tudo. Há poréns, a Retalhos
Cariocas da
Silvinha Oliveira
já atua nessa vibe há muito tempo, e ainda por cima com uma
aprofundamento ideologico incrivel, compartilhamento de conhecimento do
que aprendeu, conexao universidade e favela. Claro que ela é um capítulo
da minha tese, o que muito me honra.
No entanto, não sou dessas
que vê nuvem preta por todos os lados, ainda bem que em algum momento
houve essa aproximaçao da cidade, da cultura, das diferenças e espero
mesmo que isso se espalhe, e que as segmentações de mercado quadradinhas
possam olhar através da janela, colocar o pé na rua e ver esse tipo de
gente, a grande massa do nosso país. Mas ainda implico com o termo
"comunidade"... palavra cheia de vazio simbólico, politicamente correto
que nao diz nada e diz tudo ao mesmo tempo.
Um viva para a Globo e um viva maior para a Retalhos Cariocas que está a frente do seu tempo desde sempre.
Veja a matéria:
Conheça as meninas que estão ditando moda nas comunidades e fora delas:
As ‘it-girls’ das periferias agitam as redes sociais e lançam
tendências
RIO - O batom azul da estudante Isadora Machado, de 17
anos, rapidamente se transformou no centro das atenções da sessão de
fotos que ilustram esta reportagem, alguns dias atrás, na Lapa.
— Olha essa cor! Essa mulher é muito diva — louva Annapaula Bloch, de 18 anos, do blog “Sou dessas’’.
Naquele dia, Annapaula e Isadora estavam se encontrando pessoalmente
pela primeira vez. Até então, as duas eram amigas apenas nos “limites’’
das redes sociais.
— Adicionei a Isadora no Facebook quando vi
uma foto dela justamente com esse batom azul! Ela é a verdadeira negra —
diz Annapaula.
— Esse batom é uma mistura de gloss transparente com sombra azul 3D — revela Isadora, em tom de confidência.
A escritora Ana Paula Lisboa, de 26 anos, chega na roda elogiando Annapaula, que conhece há tempos.
— Tá comportada hoje, hein! Fazendo o estilo nova Valesca... Acho a
Valesca diva. É uma das poucas famosas que sigo no Instagram.
Annapaula concorda com sua xará e aproveita para criticar a cantora Anitta, “pseudo rival’’ de Valesca:
— Ela copia até o dedinho do pé da Beyoncé e, numa entrevista no
programa “De frente com Gabi”, disse que não. Outro dia, no “Altas
Horas”, falou que mulher tem que se valorizar, mas, uma semana depois,
no “Amor & sexo”, ficou dando mole para o homem das outras. Muito
contraditória essa moça! — dispara.
A estudante Ana Carolina
Santos, de 17 anos, e a hostess Keyla Bergamazi, de 24 anos, são as
últimas a se juntarem ao grupo no ponto de encontro marcado para um
bate-papo informal. Nunca tinham se visto (sequer virtualmente), mas, em
cinco minutos, já pareciam melhores amigas.
— Amei a sua bolsa! Me empresa para eu fazer a foto? — pergunta Keyla.
— Claro! Comprei por R$ 44 num camelô no Centro — responde Ana
Carolina, dando a ficha completa do saquinho vermelho com franjas e
estampa étnica.
Cada uma na sua, mas com muita coisa em comum, as
cinco fazem parte de um novo e forte movimento que cada vez mais une
códigos da cidade partida. São as “it-girls” das comunidades: meninas
que moram ou frequentam favelas ou bairros da periferia do Rio, lançam
tendências de moda e comportamento, são seguidas nas redes sociais e
imitadas em grande escala fora delas.
As novas meninas do Rio
chegaram para quebrar estereótipos, observa a publicitária Taciana
Abreu, que ajudou a fundar a primeira agência numa favela carioca (no
Santa Marta, em 2012):
— Elas estão criando um novo padrão de
beleza, assumindo seus cabelos, sua cor, suas raízes, criando sua
própria moda. Elas pegam o melhor das referências externas, já que a
informação está toda disponível na internet, e remixam com as
referências de raiz. Da raiz negra, nordestina, de periferia. E, aí sim,
criam uma nova estética, que traz consigo o orgulho do território —
analisa a publicitária, integrante do Yunus Negócios Sociais Brasil. —
Dessa forma, elas estão abrindo caminho para outros jovens e se
transformando na nova referência de sucesso na favela.
Annapaula
Bloch e suas impecáveis tranças são famosas no Salgueiro, comunidade na
Zona Norte do Rio onde a fashionista nasceu e se criou. Há um ano,
através de um projeto da Agência de Redes para Juventude, ela criou a
revista “Sou dessas”. No final de novembro, a publicação foi lançada em
versão online.
— Sempre amei moda, fui bem-apresentada, simpática
e do tipo que gosta de saber da vida dos outros — ela se descreve. —
Como eu só encontrava revistas feitas para as patricinhas da Zona Sul,
com editoriais de moda feitos com roupas para as muito magras, quis
fazer uma revista com dicas de moda e maquiagem, comportamento e um
pouquinho de fofoca para as meninas da favela. Agora viramos blog porque
estamos antenadas com o mundo digital, até a “Capricho” está cada vez
mais online.
Annapaula faz compras nas feirinhas da praça do Rio
Comprido e do Clube Maxwell, em Vila Isabel (“São os melhores preços e
os melhores produtos”, diz). Brinco de pérola, jardineira jeans e
short-saia estão em alta, ela sentencia.
— Quero ser estilista, jornalista, atriz e exemplo para muitas jovens da minha favela — ressalta.
Para o escritor e diretor de teatro Marcus Vinicius Faustini, criador
da metodologia da Agência, Annapaula já é exemplo para muitas jovens — e
não só do Salgueiro.
— Ela faz parte de uma nova geração que vem
demonstrando o quanto a favela pensa a cidade, o mundo. Sem culpa, ela
vai inventando uma maneira de operar os signos que surgem diante dela.
Esse movimento é extremamente político porque coloca a juventude da
favela no posto de criadora de tendência — afirma Faustini.
Amiga
de Annapaula, Ana Carolina Santos foi promovida a correspondente do
blog “Sou dessas’’ na Mangueira (ela mora em Benfica, torce pela
Portela, mas tem muitos amigos no morro e está sempre circulando por
lá).
— Minha missão é caçar as tendências que nascem nas ruas —
diz ela. — Mas também pesquiso na internet. Minha última matéria foi
sobre cabelo afro, tranças e black power coloridos, moda lançada pelas
meninas do Afro Punk no Brooklyn, em Nova York. As cores mais usadas são
azul, rosa e lilás. É o último grito!
O principal campo de pesquisas de Ana Carolina, no entanto, é o Baile Charme, no Viaduto de Madureira.
— Lá no Viaduto você tem que ser bonita. Os charmeiros são muito estilosos, todo mundo é assim como nós — conta Ana Carolina.
Ana Carolina é (muito) fã de Rihanna, enquanto Annapaula é (muito) fã
de Beyoncé. É mais ou menos como se uma fosse Flamengo, e a outra,
Fluminense.
Moradora da Cidade Alta e comentarista de moda do
“Esquenta!”, da TV Globo, Luane Dias, de 20 anos, compartilha o fascínio
pelas divas internacionais:
— Querendo ou não, todas querem se
parecer com as mais tops, que são a Rihanna e a Beyoncé. Gosto das duas.
Eu mesma, quando tenho uma festa, fico pesquisando looks no Instagram —
explica. — Shortinho com top ainda é o uniforme mais popular na favela,
mas, aos poucos, está crescendo a turma que opta por uma calça larga,
um pano na cabeça... Ou seja, um estilo mais urbano.
Professora
do Departamento de Moda e Design do Senac Rio e de Comportamento do
Consumidor na Pós-Graduação em Marketing de Moda da ESPM, Elis
Vasconcelos observa que, na cidade cerzida, as novas meninas do Rio
misturam a moda desfilada pelas patricinhas da Zona Sul com a enxurrada
de referências estrangeiras que chega a elas pela internet:
— É
antropofagia cultural. Nos últimos anos, com a ascensão da classe C,
essas meninas passaram a poder consumir tudo o que acham interessante e,
aos poucos, criaram um estilo único e totalmente novo.
Editor do site RIOetc, Tiago Petrik completa:
— As “it-girls” das comunidades não fazem Ctrl C, Ctrl V. Elas têm
muito mérito na criação desse perfil, elas reinterpretam para a
realidade local e, a partir do que apresentam, as outras meninas se
inspiram.
Quando Ana Carolina passa, as “novinhas’’ da vizinhança
ficam tão curiosas para saber como ela clareou as pontas dos fios
quanto para saber onde ela comprou o vestido da vez:
— Ninguém
acredita quando conto que os meus cabelos são queimados do sol! Já as
minhas roupas, tenho comprado num brechó beneficente na Lapa. Acho
várias peças incríveis.
Criada no Engenho Novo, Ana Paula Lisboa
se mudou para a Maré há dois anos e acabou se casando com um “mareense”,
o cineasta Cadu Barcellos — um dos diretores de “5 X Favela” e um
legítimo “it-boy”. Ela anda causando na comunidade com seus turbantes. A
escritora é a principal garota-propaganda da Grife Páprica: dia sim,
dia não, ela desfila com uma amarração nova na cabeça.
— O
objetivo da Páprica é democratizar o turbante. Mostrar que ninguém
precisa ser princesa ou rainha para usá-lo. Dá para botar turbante para
ir à escola, à padaria e à noitada, claro, porque é lindo — explica Ana
Paula, sócia da grife com a amiga Michele Machado.
Quando não
está de turbante, Ana Paula ostenta uma bela cabeleira black power...
Loura. Ela exibe com orgulho os cachos cultivados há quatro anos, quando
parou de fazer alisamento, raspou tudo e deixou os fios crescerem
naturalmente. Coordenadora de metodologia da Agência de Redes para
Juventude, é fã do visual da atriz Lupita Nyong’o, a estrela de “12 anos
de escravidão”, que ano passado foi eleita a mulher mais bonita do
mundo pela revista “People”. Solange Knowles, a irmã fashionista de
Beyoncé, é outra musa inspiradora.
— É natural termos
referências. Mas digo referências. O Brasil imita desde a sua
descoberta. Nós agimos de outra forma: olhamos, admiramos e decidimos
fazer do nosso jeito — diz Ana Paula, que está terminando a faculdade de
Letras, na Estácio. — Quando crescer quero ser bonita, rica, com
mestrado e continuar jovem.
Moradora da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, Isadora Machado tem orgulho de nunca ter feito chapinha.
— Sempre estudei em colégio particular, minhas colegas eram louras dos
olhos azuis. As poucas negras da escola tinham o cabelo alisado. Riam de
mim — lembra, sem um pingo de ressentimento. — Hoje, todas querem me
copiar. Falam que o meu cabelo é lindo.
Filha de uma dona de casa
e de um mecânico, está cursando o último ano do Ensino Médio. Ela é
bolsista no Centro Educacional da Lagoa (CEL) e sonha um dia ser
cantora. Volta e meia, posta vídeos no Facebook interpretando clássicos
de cantores como Djavan e Elis Regina. Isadora, ou Isis Mac (seu nome
artístico), tem centenas de seguidores nas redes sociais.
— Eu
também penso em trabalhar com moda, gosto muito. Sempre me virei. Como
eu tenho muita roupa, invisto nos acessórios — afirma.
O colorido
estilo dessas e de outras meninas inspirou Carol Rabello a criar, em
maio de 2014, o site de moda de rua Zona Norte Etc, uma brincadeira com o
RIOetc.
— A cultura negra está voltando fortíssima, aliada ao
colorido do samba e do funk cariocas — observa Carol, de 31 anos,
nascida e crescida no Méier. — A moda está pulsando em Madureira, na
Tijuca, no Méier. As meninas estão buscando o que há de mais bonito em
si. Talvez por estarem mais longe da praia, mostram a barriguinha e as
celulites sem as neuras das patricinhas da Zona Sul. A autoestima das
meninas da Zona Norte é muito forte.
As “it-girls” das
comunidades, é bom deixar claro, garantem não ter qualquer preconceito
com a Zona Sul e seus modismos. Annapaula Bloch e Ana Carolina Santos,
por exemplo, vivem na Praia de Ipanema, ou “Ipanema Beach”, como
preferem chamar. Essas novas e influentes meninas, aliás, circulam por
toda a cidade.
— Tradicionalmente, o Rio tem essa coisa de
venerar a garota de Ipanema. Mas hoje há outras garotas interessantes e
que não se definem por um só bairro. Elas circulam por Ipanema com a
mesma desenvoltura que sobem o Vidigal, vão à Glória e também frequentam
o baile do Viaduto de Madureira — observa Caio Braz, estilista e
apresentador do “GNT Fashion”.
Keyla Bergamazi pertence à
categoria indefinível. Nascida em Vila Isabel, na Zona Norte, a morena
de tranças coloridas é, como se diz por aí, uma cidadã do mundo. Depois
de oito meses morando na Inglaterra, no ano passado ela voltou ao Rio e
decidiu dividir um apartamento com um amigo, no Morro do Cantagalo. Na
sequência, se matriculou num curso de moda na Casa Geração, no Vidigal.
— A (cantora) Mariana de Moraes queria usar um vestido meu num show,
mas o figurista dela achou o modelo ousado demais. A bunda ficava toda
de fora, mas tinha hot pants por baixo... Enfim, o Rio de Janeiro ainda é
muito hipócrita em termos de moda — reclama Keyla.
Atualmente, ela trabalha como hostess no recém-inaugurado Bar Sobe, no Horto, e está desenvolvendo uma marca com duas amigas.
— Estamos criando roupas mutáveis. Blusa que pode virar vestido e
vice-e-versa para as mulheres que emendam uma reunião num jantar, um
jantar numa festa, e não têm tempo de passar em casa para se trocar —
explica Keyla, que no dia da sessão de fotos “divou’’ com uma calça
pantalona dourada. — Nossa, mas estou tão básica...
Leia mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/…/conheca-as-meninas-que-estao-dita…
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