quinta-feira, 19 de abril de 2012

Objeto de desejo: Os grills que nunca uso

Postado por Hilaine Yaccoub - 18/04/2012 no Diário das classes C,D e E - Mundo do Marketing

"Engraçado como coisas fascinam e se tornam verdadeiros objetos de desejo. Durante um trabalho de campo realizado em um bairro popular onde morei por 8 meses com a finalidade de entender motivações que levam clientes da concessionária de energia elétrica a furtarem ou fraudarem o consumo de eletricidade tive contato próximo com várias famílias que pertenciam a minha vizinhança.

Meus vizinhos pertenciam à chamada “nova classe média”, faziam parte de uma espécie de elite local e eram reconhecidos como tal por outros moradores de outras áreas. Tinham carros, viajavam nos feriados (alguns inclusive para o exterior), estudavam em colégios particulares da região, frequentavam restaurantes, em sua maioria churrascarias e, mesmo podendo arcar com o consumo de energia elétrica, furtavam (ou fraudavam o medidor de consumo).

Em outro momento tocarei mais enfaticamente na questão do furto e fraude de energia, bem como na questão da chamada nova classe média, no entanto, gostaria de focar nos usos dos objetos e o poder simbólico que exercem nas pessoas. Não, não pense que com você é diferente, os objetos mudam, mas o poder simbólico o fascínio são os mesmos.

Os GRILLs
Certa vez entrei na casa de uma vizinha, normalmente a gente entrava pela cozinha, pois eu já era considerada “de casa” e certamente era onde ela passava maior parte do seu tempo. Ao olhar para uma prateleira consegui avistar 5 grills com diferentes formatos, cores e, após eu perguntar, segundo a resposta dada pela mesma, cada um serviria para um propósito diferente.

grill,diário,classe c,d,e- Nossa, quantos grills! Pra que tantos? - perguntei alarmada.
- Ué, cada um serve pra uma coisa, oras! - respondeu demonstrando obviedade.
- Ah é? - retruquei - Como assim, me explica? - Estava louca para entender os padrões que ela utilizou.
- Esse aqui é só pra carne (apontou um George Foreman), ao lado, o branco redondo é pra pizza (Grill do Shoptime), aquele outro ali é só pra torrada, depois é o de sanduiche, e por final aquele ali que serve pra peixe e frango (um Black&Decker qualquer).
Diante da explicação dela, parei para pensar que dependendo do grupo ao qual você pertença e o capital cultural que você acumule, os objetos serão vistos, usados e tratados de diferentes formas. Ela aprendeu possivelmente na propaganda, que para cada grill daquele haveria uma serventia, portanto, ela precisava de vários grills para que suas diferentes necessidades fossem sanadas. Sendo que ela poderia ter apenas o redondo (de pizza) para fazer todos e mais outros tantos quitutes que ela desejasse. Mas ela não aprendeu dessa forma, portanto, reproduzia o que tinha vista no comercial.

Logo depois de me dar a explicação, a minha vizinha complementa o raciocínio com um “que” de tristeza e diz:
- Mas apesar de eu ter esses grills eu NUNCA uso eles não. Puxa muita luz porque é resistência. É melhor continuar usando o fogão mesmo porque é a gás e sai mais barato.


(ELA SÓ SE DEU CONTA DISSO DEPOIS DE ACUMULAR 5 GRILLS)
O que percebi em meu trabalho de campo é que ao adquirir um bem os consumidores não pensam no gasto agregado. Pensam apenas no valor da parcela, mas não colocam na ponta do lápis os custos finais que o novo objeto de desejo (carros, TVs, boillers, grills etc) vão acarretar.

Para tal há três saídas no âmbito do consumo de energia elétrica: ou pagam a conta, ou deixam de usar o objeto, ou fazem “gato” de energia para adequar a conta ao novo padrão e estilo de vida."