sábado, 26 de setembro de 2009

A Felicidade Paradoxal de Gilles Lipovetsky

Lipovetsky (2007) acredita que se as compras não são sinônimos de felicidade, no entanto não deixam de ser, muitas vezes, fontes de reais satisfações ao que chama de hiperconsumidor.

Assim, cria-se uma situação a qual o autor chamou de “felicidade paradoxal”, sendo esta efêmera, que se finda ao término do próprio consumo.

Importante ressaltar que, mesmo com algumas diferenças em suas principais idéias, o consumidor nunca estará satisfeito e sempre buscará novos produtos, experiências e recomeços.

(Os consumidores não buscam apenas produtos, mas experiências, emoções, sensações)


A sociedade de hiperconsumo de Lipovetsky – está envolvida em uma dinâmica social
estruturada na compra dos mais diversos produtos: celulares, televisores cada vez mais sofisticados, computadores de última geração, utensílios de cozinha que nos poupam das mais diversas atividades, como fazer um café ou um suco, música e livro para se levar no bolso, equipamentos que aos poucos vão se tornando parte essencial de nossa rotina.


O que realmente precisamos?


Lipovetsky (2007) afirma existir mais um tipo de sociedade, onde:

a) Fase I se inicia por volta de 1880 e chega ao fim com a Segunda Guerra
Mundial.



Neste período, o comércio pôde se desenvolver em grande escala, devido às modernas infraestruturas de transporte e comunicação, que possibilitaram o aumento da regularidade, volume e velocidade nos transportes para fábricas e cidades.

A elaboração de máquinas de fabricação contínua fez com que a produtividade aumentasse e, ao mesmo tempo, custos diminuíssem. Além disso, a reestruturação de fábricas através do modelo de linha de montagem móvel, produtos eram elaborados com maior rapidez.

Entretanto, vender tantos produtos necessitaria uma nova abordagem junto aos consumidores e, assim, o marketing tornou-se inseparável da economia de consumo.

Produtos que, anteriormente a esse período, eram vendidos a granel, muitos de maneira anônima, são substituídos por outros, com marca. Nesta fase o consumidor tradicional transforma-se no consumidor moderno, que procura as marcas e é seduzido pela publicidade.

Para complementar a transformação do consumidor, os grandes magazines4 são implantados, em diversas partes do mundo, e estes passam a não apenas venderem mercadorias, mas estimula a necessidade do consumo, pelas novidades e pela moda.

Observar suas grandes vitrines seduzia e distraia o consumidor, prática da qual somos
herdeiros atualmente;


b) Fase II, direcionada principalmente pela marcante economia fordista, se
estabeleceu em torno de 1950 e apresentou-se como modelo puro da sociedade do consumo de massa.


É nesse período que a estrutura de consumo se modifica profundamente, quando diversos produtos se tornam acessíveis a uma maior parcela da população, como televisores, eletrodomésticos e automóveis.

As massas tiveram acesso, neste período, a uma gama de bens materiais antes destinados, apenas, às elites sociais.

Nesta fase as estratégias de marketing se modificam e visam às diferentes camadas sociais e aspectos socioculturais. A circulação rápida de mercadorias se inicia e a obsolescência planejada instaura-se.

Desejos e anseios são sempre estimulados e a individualização do indivíduo, através da
compra, ganha forças;


c) Desde 1970, a sociedade se e encontra em um ciclo III do consumo, chamado pelo autor de sociedade do hiperconsumo.


Segundo Lipovetsky (2007), surge uma série de novos contornos para a aventura individualista e consumista das sociedades, onde tudo pode se tornar um segmento mercantil.

O autor afirma que vivemos hoje em uma civilização da “felicidade paradoxal” em que nossas sociedades são cada vez mais ricas, entretanto, um número crescente de pessoas vive na precariedade, e somos cada vez mais bem cuidados, mas decepções e inseguranças sociais aumentam incessantemente.

A fase do hiperconsumo (fase III) é principalmente emocional e subjetiva, quando os indivíduos desejam objetos para viverem e não por sua utilidade ou necessidade.

As mercadorias que são consumidas adquirem um novo perfil, não fornecem apenas o status, mas também oferecem um estilo de vida específico ao consumidor.

O consumo para “si” suplantou o consumo para o “outro”, em sintonia com o movimento de individualização das expectativas, gostos e comportamentos

Em um trabalho anterior, Lipovetsky (2002) afirma que o processo de racionalidades coletivas foi pulverizado e o processo de personalização foi promovido, abrindo caminho para a realização pessoal, para aspirações individuais – os indivíduos são ávidos por realizações imediatas, que podem ser encontradas nas mercadorias vendidas no mercado.

Esta nova relação entre pessoa e produto faz com que ocorra o que o autor chama de consumo emocional, em que são buscadas as sensações e um maior bem-estar subjetivo, instituindo no ato da compra o “sentir”

Neste sentido, as marcas ganham uma nova dimensão, quando o consumidor acredita que possui o direito de consumir um produto de qualidade.

E, muito mais que um objeto, um estilo de vida é comprado, para nos tornamos diferenciados, nos destacarmos da “massa cinzenta”.

A marca traduz uma apropriação pessoal, uma busca da individualização assim como um desejo de se integrar em determinados grupos (LIPOVETSKY, 2007).

O hiperconsumo, de certa forma, adquiriu tentáculos que se entendem às mais diversas áreas, como a saúde, o lazer e o turismo. Nesta terceira fase do consumo, a insegurança e a ansiedade cotidiana crescem na mesma proporção de nosso poder de combater a fatalidade e alongar a duração da vida (LIPOVETSKY, 2007).

Os hiperconsumidores, possuidores do desejo constante de alcançar o bem-estar, são sempre levados à insegurança e ao medo, e utilizam o consumo como um meio de driblar e vencer o envelhecimento, as tristezas e decepções.

Existe toda uma indústria de sensações, situações pré-moldadas à disposição do hiperconsumidor, onde são vendidas experiências previamente estipuladas. É nesta
constante dualidade que o autor baseia grande parte de seu estudo: toda uma dimensão hedonística a um indivíduo individualista e inseguro, que firma sua identidade pela compra.

Um fator importante da sociedade de hiperconsumo contextualizada por Lipovetsky (2007) é a chamada febre da mudança perpétua, quando as necessidades básicas já estão satisfeitas e busca-se o prazer renovado, a novidade, juntamente a um mercado que não pára de inovar.

A rapidez do mercado se une a obsolescência dos produtos, aumentando invariavelmente o descarte acelerado.

Outro ponto importante a ser destacado na sociedade hiperconsumidora é a modificação ocorrida na escolha do consumidor, que passa a ser chamada de hiperscolha, onde o consumidor passa a ter múltiplas possibilidades de escolhas, assim como o consumo individualista que se modificou para o hiperindividualista, pois as pessoas passam a se fechar cada vez mais em busca de sua satisfação pessoal.

Tais alterações, segundo Lipovetsky (2007), foram causadas pela disseminação dos multiequipamentos, por novos objetos eletrônicos, em que os indivíduos constroem seu próprio espaço-tempo, ditam sua própria rotina.

Não cabe aqui uma crítica às práticas diárias que foram facilitadas com a chegada de
equipamentos domésticos, por exemplo, mas sim uma crítica a um conjunto de fatores que levam o consumidor a realizar mais atividades e com mais rapidez, uma cultura da instantaneidade e da urgência.

Uma característica importante, presente em ambas as teorias, deve ser aqui ressaltada: a formação do indivíduo, que inclui sua personalidade, seus anseios, objetivos e estilos de vida, seja inserido em uma sociedade de consumidores, de Bauman, ou de hiperconsumo, de Lipovetsky, é moldada através do consumo.

A formação de sua identidade por esse meio faz com que esse seja essencialmente
individualista, com seus pensamentos voltados para o agora, para o instante em que se compra ou se vive determinada experiência.

Esse indivíduo está, em termos, fora da sociedade e está vivendo apenas seu mundo de consumo em particular, não se preocupando com os efeitos de seu estilo de vida.

Dentro deste contexto, como exigir que esse indivíduo (consumidor) pense na questão ambiental, em poupar recursos para as gerações futuras, aqui mais especificamente no uso racional da energia, se sua socialização ocorre pelo e para o consumo?

Segundo Lipovtsky (2007), todo mundo já está formado, educado, adaptado ao consumo ilimitado. O autor exalta a formação de um novo tipo de hiperconsumidor que age sob os auspícios do consumo correto, da despesa cidadã, ecológica e socialmente responsável, que consome guiado por valores éticos.

Surge, no ciclo III do consumo analisado pelo autor, o consumidor consciente, que acredita que suas ações podem resultar em resultados efetivamente positivos.

A fase III firma um tipo de consumidor que economiza energia, elimina os desperdícios
e cria a consciência dos efeitos negativos de nossos modos de vida sobre o meio ambiente. Entretanto, em um mercado hipersegmentado, a ecologia não constitui mais um contra poder à economia mercantil e funciona como instrumento de sua reciclagem, vetor de uma oferta mais respeitadora dos grandes equilíbrios da natureza (LIPOVETSKY, 2007).



LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre uma sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.


Fonte:

Fournier, Anna Carolina Pires; Penteado, Cláudio Luis de Camargo. CONSUMO E ENERGIA: UMA VISÃO SOCIOLÓGICA, XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, Rio de Janeiro, 2009.