segunda-feira, 28 de março de 2011

ARRIVAL CITY

Saiu ONTEM no Globo (27/02/2011), na coluna do Elio Gaspari: acaba de sair nos EUA um livro chamado "Arrival City" (Cidade de Chegada - como a maior migração da história está mudando a nossa História), do jornalista anglo-canadense Douglas Saunders.


Trata-se de um estudo aprofundado sobre um tipo específico de comunidade das grandes cidades, conhecidas no Brasil por "favelas". Mas ele estuda comunidades similares na Egito, China e Turquia, por exemplo.

Na notinha da coluna do Elio Gaspari, lemos: "Nelas aglomeram-se algo como 800 milhões de pessoas que deixaram o campo em busca do futuro nas grandes cidades, ou descendem de pessoas que fizeram essa rota. O trabalho de Saunders vem sendo festejado pela audácia de sua conclusão: 'A periferia é o novo centro do mundo'. Seu livro já foi comparado ao 'Morte e vida de grandes cidades', de Jane Jacobs, que mudou a maneira de pensar as políticas urbanas a partir dos anos 60. Descrevendo essas comunidades, Saunders mostra que nelas não vivem apenas miseráveis marginalizados, mas empreendedores emergentes de um mundo novo, uma nova classe média global. O mundo pagou caro por não entender a essência das migrações dos séculos XIX e XX. Não entendê-las agora seria um desastre. É emocionante a sua narrativa da transformação do Jardim Ângela, um pedaço do inferno paulistano nos anos 80, na comunidade que é hoje. Quando a periferia tem acesso ao crédito, escolas, empregos e polícia livre de demofobia, ela decola. E quando os seus moradores são pura e simplesmente transferidos para conjuntos residenciais, geralmente as iniciativas fracassam."

Elio Gaspari continua dando uma alfinetada na demora da chegada de livros como esses no Brasil: "Como o livro de Jane Jacobs levou 48 anos para ser editado no Brasil, não custa avisar que a edição do e-book (em inglês) custa US$ 13,99. De graça, há um artigo de Saunders no sítio da revista Foreign Policy."

O link para o artigo citado segue abaixo:
http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/03/23/arrival_cities

sábado, 12 de março de 2011

Dica: Blog FORMAS DO CONSUMO

Formas do Consumo é o blog da Forma Elementar. Alimentado por Daniel Portugal e Julia Salgado, é um espaço para se discutir o consumo contemporâneo em todas as suas dimensões, deixando de lado preconceitos e extremismos. Entendemos que, no consumo, pessoas, coisas e marcas interagem de formas sempre renovadas, em um jogo complexo que envolve razão, sensação, emoção e desejo. O consumo articula, portanto, dimensões humanas que não se prestam a abordagens simplistas obcecadas em reduzir tudo a gráficos e números.

Acessem!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Os usos da Antropologia

Cada vez mais os antropólogos estão sendo cobiçados a atuarem em algumas frentes nunca antes imaginadas. Trabalhei em um projeto da MJV Tecnologia e Inovação, onde a pesquisa de cunho etnográfico (e não etnografia nos moldes malinowiskianos) fazia parte da metodologia empregada. Os designers querem entender os conceitos, usos, valores, identidades e para isso acabam se utilizando do olhar antropológico para tal.
Abaixo segue uma matéria produzida pelo Mundo SA da GloboNews bem elucidativa.


Conceito de ‘Design Thinking’ tenta entender os desejos dos consumidores

Empresas mergulham no mundo dos usuários dos seus produtos para que estes tenham mais chances de serem aceitos.

"Consumidores, os usuários de produtos, estão na moda. Nesta onda de descoberta, ou redescoberta, da importância que eles têm para uma empresa, surge um conceito que está dando o que pensar: o Design Thinking. É uma estratégia de sobrevivência em um mundo cercado de concorrentes por todos os lados. É entender profundamente o que as pessoas querem, mergulhar no mundo delas e sair dali com um produto com mais chances de ser aceito."


http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1650604-17665-315,00.html#

quinta-feira, 10 de março de 2011

Cultura material e padrão de consumo da “nova classe média”

Um primeiro relato etnográfico

Por Hilaine Yaccoub


Recebi, no meio da semana, um telefonema emocionado. A voz do outro lado, um tanto eufórica, falava de uma grande “bênção” que merecia ser comemorada. Decidiu preparar um “churrasquinho” no domingo seguinte para familiares e poucos amigos selecionados – grupo no qual me incluía. Perguntei se deveria levar algo, minha anfitriã respondeu que não. Tudo seria oferecido por ela – o que ocorre raras vezes. Com isso, deixou bem claro que o acontecimento era realmente especial.

Cheguei, no dia e na hora combinados, diante de uma casa simples, bem velha, pintada de cal branca, portas e janelas de madeira desgastadas com o tempo. No quintal da frente, um pequeno espaço com piso de cimento rachado, cadeiras de plástico e uma caixa de isopor dividiam o espaço com as plantas do jardim. A festa estava sendo preparada.
 
No fundo do quintal, uma pia de cozinha de alumínio, suspensa por pés de ferro, e uma grelha haviam se transformado em churrasqueira. De longe se podia sentir o cheiro inebriante da carne assando, sob os cuidados do churrasqueiro, irmão da anfitriã.


Ela me recebeu entusiasmada, um tanto esbaforida. “Não me beija que eu tô suada”, disse, enfática. Não me importei e a cumprimentei normalmente. Logo apontaram a caixa de isopor no canto do quintal. Apresentado o caminho para as bebidas, esperaram que eu me sentisse completamente à vontade.

A anfitriã começou a narrar a história da tal benção recebida pelo seu irmão mais novo, motivo do evento: uma moderníssima geladeira frostfree. Eu e alguns outros fomos convidados a adentrar a casa simples.

“Não repare na casa não, ela é velha, e a única coisa bonita é a minha nova geladeira branca na cozinha, é a única coisa que presta”, desculpou-se ela, de antemão.

Achei curioso tanta ênfase à cor branca da geladeira. Até o momento, eu nunca havia reparado nessa forma descritiva de fazer referência a eletrodomésticos.

Entramos e seguimos por um pequeno corredor em direção à cozinha, que ficava logo após a sala. A anfitriã apontou a geladeira, enorme, de alta tecnologia, com luzes azuis piscando e um display digital na porta.

Lamentou-se: “Agora, minha cozinha nem combina com a geladeira nova. Ela é tão linda e minha cozinha, um horror”.

Abriu, sem hesitação, a parte inferior da geladeira. Mostrou todos os recursos do novo bem, riu de felicidade. Disse que parou para ler todo o manual porque não sabia mexer em tanta “tecnologia de geladeira” com tantos compartimentos diferentes para colocar os alimentos.

Estava realmente feliz porque a geladeira era frostfree. Sem precisar descongelar para limpeza, lhe pouparia trabalho. Abriu cada gaveta, porta, apontou o termostato eletrônico, e se emocionou. “Eu nunca imaginei que pudesse haver algo assim”. Fomos apresentados à geladeira e a tudo nela guardado.

Reparei que o plástico de proteção ainda estava nas alças externas nas portas, além do selo do Procel (indicando que era uma geladeira que poupava energia elétrica) e uma nota fiscal da garantia da loja. Perguntei por que ainda continuavam colados e logo veio a resposta, simples: “É pra proteger mais e não estragar”.

Claro. Ela queria que o novo item, o mais bonito e importante da casa, durasse muito e fosse conservado ao máximo. Afinal de contas, era um bem valioso.

Não satisfeita, abriu a porta do freezer e mostrou como o espaço interno era amplo. “Agora vou poder receber visitas e dar festas, pois as bebidas vão gelar. Vou poder fazer pavê, comprar sorvete, fazer gelo para o refrigerante. Agora, sim”, comemorou.
 
O tamanho e a capacidade do novo item adquirido, portanto, eram significativos para a sociabilidade dela, a reciprocidade do servir e receber bem. A grande geladeira serviria sua família, composta por um adulto – ela própria – e dois filhos, sendo uma criança e um adolescente. Era notório que aquele novo eletrodoméstico, devido a sua grande capacidade (entre outros fatores), seria um divisor de águas em seu cotidiano e em sua prática social.


Voltamos para o quintal. Hora de comer. As guarnições estavam servidas em potes plásticos em uma mesa improvisada: uma tampa de madeira forrada com toalha florida, em cima de um latão. A anfitriã se ocupou em nos servir, até que um novo grupo apareceu no portão. Como precisava recebê-los devidamente, ela organizou mais um tour até a cozinha. A história se repetiu algumas vezes até o fim da festa.
 
 
Quando vivenciei a situação descrita acima, comecei a imaginar a importância que um eletrodoméstico corriqueiro pode ter na vida de um grupo específico. O “objeto de desejo”, motivo da festa, era uma geladeira. Os argumentos favoráveis estavam visivelmente expostos: pouparia energia elétrica (o selo do Procel), havia um grande espaço interno suficiente para armazenar os alimentos (um valor para o grupo) e melhorar a recepção aos convidados (a dádiva de Mauss, 2003). Em suma, era moderna e traria conforto para aquela família.


A noção de conforto ligado à posse de eletroeletrônicos estava clara naquela narrativa, além do embelezamento e da modernização da casa, por meio desses mesmos objetos, como se fossem dotados de mana (Mauss, 2003).

Da mesma forma que minha anfitriã, milhares – talvez milhões – de pessoas de camadas populares no Brasil possuem a crença e percepção de mana em determinados objetos (em sua maioria, eletroeletrônicos). A posse e uso desses bens têm uma conseqüência que vai além do bem-estar, estetização e sensação de conforto, frequentemente subestimada ou ignorada: a "conta de luz" no fim do mês e sua adequação ao novo padrão de consumo. Reside aí meu problema inicial.