terça-feira, 19 de abril de 2011

Eu compro, logo sei que existo

Este é o título de um artigo escrito pelo sociólogo Colin Campbell onde demonstra como a formação e autroconstrução de nossas identidades sociais dependem de nossas escolhas em um mundo plural, onde existem várias opções de compra, consumo, experiências.


O autor demonstra que apesar do consumo ser visto como uma atividade fútil da vida social, através de um olhar mais atento a analítico pode indicar que existe uma gama de elementos centrais da cultura e da sociedade contemporânea. E mais, contrariando a teoria de outros autores que apontam para a falta de solução para crise de identidade na sociedade moderna (como por exemplo o filósofo Zygmund Bauman), para Campbell, o consumo é um caminho para solucionar esta questão.

Como?

Para o autor, tudo teve início quando ao procurar entender o consumo e suas dinâmicas percebeu que este tem muita importância na vida das pessoas. Ele conclui que muitas vezes, este esteja suprindo uma função muito mais importante do que apenas satisfazer motivos e intenções específicas que incitam atos individuais. Ou seja, o consumo está muito mais além da questão da necessidade e utilidade, ou até mesmo de regras sociais (a exigência da compra de um presente por exemplo quando se vai a um aniversário), para ele, o consumo está relacionado às questões do “ser e saber”.

Para Campbell o consumo moderno está mais ligado e enraizado no self (no “eu”), na expressão de si mesmo, tem mais a ver com os sentimentos e as emoções (na forma de desejos) do que com a razão e calculismo.

Por exemplo, é comum em nosso sociedade o desejo de se possuir celulares cada vez mais modernos com infinitas possibilidades tecnológicas… dessa maneira, ao parcelar em várias vezes pagando juros abusivos (mesmo que estes estejam embutidos na parcela mensal), estas pessoas na maioria das vezes não racionalizam o seu ato. Assim, compram os aparelhos e não possuem renda para pagar o acesso a internet por exemplo, ou não possuem dinheiro para alimentar os créditos, ou até mesmo não possuem computadores para descarregar vídeos e fotos. Mas então por que compram? E mais, logo depois que terminam de pagar as parcelas, um ano mais tarde, outros modelos foram lançados com outras características, e logo são objetos de desejo… e recomeça todo o ciclo.

Este indivíduo está errado?

Não, não se trata aqui de fazermos julgamentos morais. Campbell aponta que ao escolherem seus produtos, os indivíduos estão demonstrando suas identidades, seus valores. Talvez para este cidadão, ter um aparelho que seja visto como moderno, caro, esteticamente arrojado, revele o seu “eu” o self apontado pelo autor. Este consumidor quer estar atrelado a estes valores, e ser diferenciado de seus grupo, e ao mesmo tempo pertencer ao grupo daqueles que possuem os mesmo gostos, possivelmente, alguém de classe social mais valorizada em sua sociedade.

Portanto, devemos observar os hábitos e tentar entender as motivações que levam os indivíduos a realizarem tais ações, a fazerem determinadas escolhas. E a importância é relativa, o que pra alguns pode ser dinheiro jogado fora, ou desperdício, para outros pode ser dotado de uma importância central.

O que podemos perceber é que o consumo moderno é em sua essência individualizado, “esse é o valor extraordinário anexado a esse modo de consumo, juntamente com a ênfase colocada no direito dos indivíduos se decidirem, por si mesmos, que produtos e serviços consumir”(Campbell, 2006, p.49)

Assim, o consumo moderno está mais preocupado em saciar vontades do que em satisfazer necessidades. No caso exemplificado o consumidor poderia ter comprado um celular mais simples, condizente com seus recursos, lhe sobraria dinheiro para comprar créditos para o celular e dessa maneira o aparelho cumpriria o seu papel, fazer e receber ligações.

O que percebemos em nossa sociedade é que temos liberdade de fazermos nossas escolhas, podemos trocar de estilos, adotar diferentes modas, podemos trocar identidades e estilos de vida com a mesma facilidade que trocamos de roupa. Isto se tornou possível porque como Ewen e Ewen (apud Campbell, 2006) observam: “hoje não existem (…) regras somente escolhas”, portanto, todos podem ser qualquer um. Campbell chega a conclusão que as atividades dos consumidores devem ser entendidas como uma resposta à postulada “crise de identidade”e também como uma atividade que, na verdade, serve somente para intensificar essa crise.

No que se refere a formação da identidade, Campbell está tentando nos explicar é que diferente de outrora, como nos tempos da sociedade tradicional, época em que valores tradicionais eram mais importantes, quando por exemplo a filiação a determinada classe ou status de certos grupos, pertencimento a religião, ou família, quando a nossa identidade estava muito mais relacionada a posição que se ocupava em várias dessas instituições e associações (família, trabalho, religião, raça, etnia, nacionalidade, etc) era algo muito mais importante que o gosto pessoal, ou a vontade individual… neste modelo tudo era relacionado e funcionava em torno de valores tradicionais.

Slater (2002) também contribui para esta ideia ao afirmar que a sociedade pós-tradicional é marcada pela pluralização. No lugar de uma ordem segura de valores e posições sociais, há uma variedade e fluidez de valores, papéis, autoridades, recursos simbólicos e interações sociais a partir dos quais a identidade social de um indivíduos deve ser produzida e mantida,

Cada vez menos ancorada na tradição, na religião, no direito, etc, a identidade só pode nascer da escolha como apontou Campbell. Além disso Slater (2002) também aponta para a pluralidade de modos de vida na qual cada indivíduo precisa negociar identidades múltiplas e contraditórias à medida que percorre diferentes grupos, lugares, situações.

A identidade moderna acaba sendo melhor compreendida por meio da ideia do consumo. Escolhe-se uma identidade para nós mesmos na vitrine do mundo social pluralizado. Temos que produzir e vender uma identidade a vários mercados sociais a fim de ter relações íntimas, posição social, emprego e carreira. Os produtos e serviços adquiridos (tanto materiais quanto simbólicos) constroem nossa aparência e determinam nosso tempo livre e encontros sociais.

A publicidade neste contexto, segundo Slater (2002) fornece um “mapa da modernidade”, é ela que vende modos e estilos de vida, através da propaganda e marketing. São vendidos produtos que remetem a status sociais, assim como comportamentos.

Isso me faz lembrar o extinto programa Silvio Santos, Porta da Esperança, onde através de cartas (sim, naquela época se utilizam cartas como forma de comunicação), as pessoas faziam os seus pedidos. Ao serem selecionadas tinham suas histórias dramáticas contadas no programa, e um grande portal era disposto no centro do palco, um cortina grande imponente escondia o que havia por trás do portal, ao se ouvir a frase dita pelo apresentador “E vamos abrir a porta da esperança” poderia se descobrir (e se emocionar) caso o participante tivesse ou não seu pedido atendido. Pois bem, uma vez uma mulher bem simples pediu para a Porta da Esperança, um café da manhã de rico.

O Silvio Santos achou graça, e perguntou o que era um café da manhã de rico e revelou que ele era rico (o que todos sabem) e que o café dele tinha pão francês, queijo branco, manteira, uma fruta, e café com leite. Ou seja, bem comum a qualquer brasileiro. Mas ela olhando de forma duvidosa questionou e então para descrever o que ela queria disse: “eu quero um café da manhã de rico, igual ao que eu vejo na novela”

Pronto. Estava ali a explicação.

Voltamos ao nosso ponto. A novela vende uma imagem do que é ser rico, do que rico come, do que rico veste, do que os vários grupos se comportam, consomem, compram, etc. Assim, representações são vendidas e divulgadas através daquele veículo de massa, lançando modas, jargões, expressões, etc.

Novos modos de vida ou estilos de vida são vendidos, e junto com eles uma série de produtos e serviços. O modo de vida pode ser visto como uma forma por meio da qual o pluralismo da identidade pós-moderna é administrado por indivíduos (ou organizados) pelo comércio.

Para finalizar, vamos recorrer a um conceito do sociólogo Anthony Giddes que expressa muito bem essa questão:

“Modos de vida são práticas rotineiras, as rotinas incorporadas a hábitos de vestir, comer, maneiras de agir e ambientes preferidos para encontrar outras pessoas; mas as rotinas seguidas estão reflexivamente abertas para mudar à luz da natureza móvel da identidade. Cada uma das pequenas decisões que uma pessoa toma todos os dias… contribui para essas rotinas. Todas essas escolhas (bem como as maiores e mais importantes) são decisões não só sobre a forma de agir, mas também sobre a forma de ser. Quanto mais pós-tradicionais os ambientes em que um indivíduo se move, tanto mais o estilo de vida diz respeito à própria essência da identidade, sua construção e reconstrução. (Giddens apud Slater, 2002, p.89)