sexta-feira, 13 de junho de 2014

Torcedor se anima para a Copa na última hora e movimenta comércio no Rio

Na Saara, lojistas chegaram a triplicar o faturamento e, em supermercados, aumento nas vendas surpreendeu

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 RIO - Em uma Copa marcada pelo dilema entre torcer pela seleção ou protestar contra os gastos públicos para a realização do evento, o carioca resolveu se empolgar — e consumir — na última hora, pouco antes de a bola rolar para Brasil e Croácia. Essa foi a percepção de lojistas e associações comerciais ouvidos pelo GLOBO, que começaram o ano pessimistas, mas já calculam um aumento de até 15% no volume médio de vendas em relação aos dias normais, só na semana da estreia.

Segundo a maioria dos comerciantes, a maré de consumo começou ainda na semana passada, com a aproximação da abertura do Mundial. Foi o caso do Atacadão da Biju, na Saara, principal centro de comércio popular do Rio, que vem apostando nos produtos relacionados à Copa, mas só viu o resultado mais significativo do investimento a partir do dia 30 de maio. Na última semana, segundo a gerente Luana Sanches Cardoso, o faturamento mais do que triplicou em relação a dias normais: de R$ 7 mil para R$ 25 mil por dia.

— Investimos muito. Nosso patrão já está viajando para comprar mais produtos — conta Luana.
Parte do sucesso da loja se deve à propaganda que, em ano de Copa no Brasil e muitos turistas nas ruas, apostou em uma estratégia diferenciada: um locutor bilíngue. Em uma das esquinas mais movimentadas do centro comercial, Nei Lopes capricha no inglês: “Don’t waste your shoes! Don’t waste your shoes!”, um chamado para que o consumidor “não gaste mais seus sapatos” e resolva comprar ali mesmo. Nei arrisca também o espanhol, e afirma que já “arranhava” as duas línguas há um tempo e resolveu aproveitar para atrair os estrangeiros (e até brasileiros).

— É a necessidade. Mesmo que não seja perfeito, está valendo — afirma ele.



O clima de festa incentivado por animadores como Nei, aliás, deve ser o principal aliado para que o comércio continue a vender. Segundo Enio Bittencourt, presidente da Saara e no ramo desde a Copa de 1974, a expectativa para os dias deste Mundial já estava baixa, mas, na última semana, viu um crescimento de 15% no volume de vendas, ainda aquém das projeções iniciais.

— Houve uma reação. Mais ou menos 15% (de aumento), tanto de público como de vendas. Esse ano, foi tudo muito em cima da hora. De todas as Copas, essa tem sido a mais fraca — diz Enio, que estima que, nos outros torneios, o comércio viu um aumento, já no início, de 25% a 30% no volume de vendas.
Ainda assim, a Saara espera um aumento de mais 10% no volume de vendas até o fim da competição, resultado que depende da atuação da seleção ao longo do evento.

— A gente já havia traçado esse cenário sobre o comércio por causa de dois fatores: um número muito expressivo de turistas na cidade e outro que não sabíamos quando ia acontecer era o brasileiro entrar no clima da Copa. Mas bastou a bola rolar para isso acontecer, todo mundo na rua animado e querendo virar a página dessa polêmica em torno da Copa. Não adianta, o brasileiro ama futebol, as manifestações estão esvaziadas e, a seleção indo bem, esse movimento só vai aumentar. Apesar de todos os feriados, o comércio do Rio vai fechar este mês com resultado positivo — diz Christian Travassos, gerente de economia da Fecomércio-RJ.

Na capital paulista, sede do primeiro jogo da Copa, não foi difrerente, disse Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo. Segundo ele as vendas que estavam fracas deram uma animada a partir do começo de junho.
— Nos últimos dias, aumentou bastante, mas quem acompanhou as Copas anteriores novata um movimento maior com muito mais antecedência. Se o Brasil continuar indo bem, as vendas vão aumentar mais. Os produtos da Copa porém, pesam pouco, porque são de baixo valor e dificilmente vão compensar as perdas grandes com as paralisações de vendas nos dias de jogos do Brasil.

RESULTADOS PODEM INFLUENCIAR GASTOS

Solimeo explica que os produtos realmente necessários, as pessoas acabam comprando em outros dias, mas as chamadas vendas por impulso (roupas, calçados, livros) acabam perdidas de vez. Quanto ao fluxo de turistas, ele pondera que em São Paulo o forte é o turismo de negócio que está praticamente parado e será, no máximo, compensado pelo turismo da Copa.

Hilaine Yaccoub, antropóloga e professora de Comportamento do Consumo da ESPM também não se surpreendeu com essa mudança no ânimo das pessoas.
— A gente vem de uma época de muito desânimo, muita cobrança por todas aquelas questões dos protestos. Mas quando chega perto do evento em si nosso patriotismo fala mais alto e as pessoas saem correndo para comprar na última hora. A gente sabe que tem muita coisa errada, mas quando a seleção entra em campo é o país que está ali, é a pátria de chuteiras mesmo. Não tem ninguém que desconstrua isso, está no nosso DNA — diz.

A professora diz também que o brasileiro gosta de resultado e, se a seleção for bem, as pessoas vão gastar mais. Se depender da dona de casa Denize Luiz Sequeira, Neymar e companhia precisam mostrar mais serviço para fazer com que ela continue a gastar. De brinco verde e amarelo e em busca de uma camisa da seleção para o neto em uma das lojas do centro popular, ela conta que já gastou cerca de R$ 100 em decoração, mas só começou a comprar há dois dias.
— Nas outras, estava mais animada — conta dona Denize, aproveitando para cornetar o técnico Felipão: — O Fred pode até ser muito bom, mas só no Fluminense.

SUPERMERCADOS VEEM ALTA DE 9% NAS VENDAS

Além da corrida para comprar bandeirinhas, cornetas e perucas nas cores da bandeira nacional, o torcedor brasileiro também foi aos supermercados para comprar, no último minuto, petiscos e bebidas para assistir ao jogo pela TV. O movimento pegou os supermercados de surpresa, segundo a Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj).

— Segundo dados preliminares, houve crescimento entre 8% e 9% em relação ao volume de vendas em dias normais. Surpreendeu. Esperávamos alta de 4% a 5% — conta Ailton Fornari, presidente da Asserj.

Para Fornari, no entanto, o desempenho do segmento está melhor do que o registrado em outras Copas, principalmente por causa da quantidade de turistas na cidade, já que a Copa é no Brasil.
O taxista Julio Gomes da Silva foi um dos responsáveis por engordar o faturamento dos supermercados. Pouco antes da estreia do Brasil nesta quinta-feira, ele resolveu fazer as compras em um pequeno mercado na Vila da Penha, mas desistiu: segundo ele, as filas estavam insuportáveis. A solução foi pedir à esposa, que trabalha em um Prezunic, levar pão, refrigerante, suco e outros itens para a festa. No total, ele calcula ter gasto R$ 120 só com o jogo de estreia.

A vitória, no entanto, pode fazer com que ele resolva abrir a carteira:

— O pessoal está se animando em cima da hora. Talvez no próximo jogo eu faça um churrasco.
Bares e restaurantes também já estão lucrando com a animação, mas, enquanto os próximos jogos da seleção não chegam, alguns preferem continuar contidos. É o caso de Sérgio Araújo, um dos donos do bar Praia de Nazaré, bem próximo ao Alzirão, tradicional ponto de encontro da torcida carioca. Preocupado com o clima político e a possibilidade de manifestações semelhantes às que marcaram a Copa das Confederações, no ano passado, ele diz que é cedo para dizer que houve crescimento.
— O investimento foi de R$ 3,5 mil e o lucro, correspondente às expectativas — afirma.