terça-feira, 24 de maio de 2011

Consumidores nas favelas: qual é a novidade?

Coca-Cola, Santander e SKY entram em favelas para vender mais

Pacificação de comunidades no Rio de Janeiro é oportunidade para marcas

Com a pacificação das favelas do Rio de Janeiro, algumas empresas começam a enxergar a oportunidade de se aproximar dos consumidores da base da pirâmide. As comunidades estão se tornando pontos de investimentos de marcas como Sky, Santander, Capemisa e Coca-Cola que estão de olho em potenciais clientes nestas localidades. As estratégias utilizadas vão desde a realização de eventos à instalação de lojas para a comercialização de produtos e serviços.


Além da oportunidade de promover suas marcas a partir de ações de Responsabilidade Social, as empresas também procuram captar novos consumidores. Com o aumento da renda, nos últimos anos, os públicos das classes C e D estão gastando mais e tendo acesso a produtos que anteriormente não poderiam consumir. Mas não basta apenas oferecer os produtos aleatoriamente aos clientes, é preciso educar os consumidores sobre as vantagens de obter o que lhes é oferecido.

A Sky foi uma das primeiras empresas a investir nas favelas. A operadora de TV via satélite criou em setembro de 2010 um serviço próprio para as comunidades pacificadas, que estreiou na Cidade de Deus, conjunto de favelas da Zona Oeste do Rio de Janeiro. O Sky UPP oferece 89 canais ao preço de R$ 39,90 e é voltado especialmente para os consumidores de comunidades pacificadas. Com um preço mais acessível, o produto tem o objetivo de atrair o interesse dos consumidores e combater os “gatos” na comunidade, que chegam a custar, em média, R$ 30,00.

Diálogo com consumidores é necessário

Mas nem todas as empresas aguardaram a expulsão dos traficantes das favelas para iniciar seus trabalhos. Já em 2008, dois anos antes da intensificação dos combates, a Capemisa Seguros instalou seu primeiro ponto de venda na Rocinha, comunidade da Zona Sul do Rio de Janeiro. Em 2011, a seguradora inaugurou a segunda unidade, desta vez, no Complexo do Alemão, em abril.

Para as marcas terem sucesso nestes locais, não basta apenas abrir uma loja. É preciso comunicar aos consumidores os produtos que estão sendo comercializados e instruí-los sobre os benefícios. “Nosso objetivo nas favelas é abordar um público que ainda não teve acesso ao seguro, nem sempre por questões financeiras, mas às vezes por falta de informação”, explica Laertes Lacerda, Diretor Comercial da Capemisa, em entrevista ao Mundo do Marketing.

À primeira vista, as favelas são muito parecidas. Antes de se lançar nesta empreitada, no entanto, as empresas devem ter um amplo entendimento do terreno em que estão andando. “É preciso conhecer a lógica das comunidades. O conceito das marcas deve dialogar com o pensamento destes consumidores. Ele não quer ser igual aos outros clientes, deseja que as empresas falem sua própria língua”, diz Renato Meirelles, Sócio Diretor do instituto de pesquisa Data Popular, em entrevista ao portal.

Com o objetivo de promover identificação entre a marca e os consumidores, a seguradora contratou dois moradores do Complexo como corretores. Para esclarecer os habitantes do Alemão sobre os serviços comercializados na agência, a Capemisa contou ainda com promotores de vendas também da própria região, visitando a casa das famílias para divulgar o seu portfólio de produtos.

Oportunidades para negócios


Outra empresa que investe em uma estratégia semelhante é o Santander. A marca também chegou ao Alemão antes da pacificação, inaugurando uma agência em maio de 2010. Hoje, após um ano, a empresa começa a colher os frutos da iniciativa, contabilizando pouco mais de mil clientes no local. Os investimentos também buscam promover o desenvolvimento social e cerca de 70% do quadro de funcionários da agência é formado por moradores da comunidade.

Para permitir uma melhor compreensão das finanças por parte dos consumidores e estimular a venda de serviços bancários, o Santander promove em parceria com o AfroReggae núcleos de estudos e palestras sobre economia doméstica e administração. “O Complexo do Alemão tem cerca de 90 mil microempreendedores, que procuram nosso serviço de microcrédito para ampliar os seus negócios e aumentar o seu faturamento”, diz Marisa Monteiro, Gerente Executiva de Eventos e Patrocínio do Santander, em entrevista ao portal.

Além das linhas de microcrédito, outro serviço muito procurado pelos consumidores é a Poupança. À medida que os moradores vão adquirindo conhecimento sobre como administrar sua vida financeira, há um despertar do interesse por investir e aplicar o que foi aprendido. Mas é importante lembrar que o relacionamento com as marca deve ir mais adiante do que a simples transação da compra. É necessário estar presente em outras ocasiões junto aos consumidores.

Eventos como forma de relacionamento


É o que faz a Coca-Cola para fortalecer sua marca junto aos moradores do Complexo do Alemão. A empresa participou do “Desafio da Paz”, uma maratona realizada no último dia 15 e patrocinada pelo Santander, para angariar fundos para ONGs da comunidade. Foram mais de mil inscritos e entre os participantes havia atletas profissionais e pessoas da comunidade.

Durante a competição, que teve seu trajeto baseado na rota de fuga dos traficantes em novembro de 2010, a Coca-Cola realizou ativações de marca, com a distribuição de batecos infláveis para a torcida e camisas com a mensagem “Razões para acreditar. Os bons são maioria”, reforçando a ligação entre marca e o novo momento vivido pela comunidade.

O Santander também utilizou o evento para fortalecer o vínculo com os moradores, que puderam se inscrever gratuitamente na agência do Complexo. O banco doou ainda R$ 15 mil ao final da corrida para as ONGS Ler é 10, Descolando Ideias e Leia e Favela. Para chegar a este valor, a empresa contabilizou o somatório da quilometragem de todos os participantes da competição e multiplicou por três, dessa forma envolvendo todos os atletas no resultado.

“Nosso objetivo é deixar algo a mais para a comunidade. À medida que outras favelas forem pacificadas, a intenção é ampliar nossas ações para estas localidades, mais do que produtos e serviços”, afirma Andréia Torto, Coordenadora de Marketing do Santander, ao Mundo do Marketing.


Fonte: Mundo do Marketing

sexta-feira, 20 de maio de 2011

E as coisas começam mudar...

Campo-grandenses freiam o consumo

 20/05/2011
Famílias acreditam ser bom momento para duráveis mas, sem crédito, reduzem consumo

A Pesquisa de Intenção de Consumo divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) confirma que as famílias campo-grandenses pisaram no freio e reduziram o consumo, mas, embora pretendam segurar os gastos, aumentou o índice das que pensam que é um bom momento para a compra de duráveis.

“Temos notado que as pessoas contiveram os gastos, o próprio índice de endividamento diminuiu, os consumidores estão evitando assumir muitas prestações e se planejando. Também percebemos que as medidas de restrição de crédito estão surtindo o efeito esperado pelo governo. Apesar disso, o movimento tem se recuperado e o varejo voltou a contratar mais do que demitir”, diz o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Edison Ferreira da Silva.

De acordo com a pesquisa da CNC, a percepção da renda atual pelas famílias campo-grandenses melhorou, mas as perspectivas de consumo caíram 9,3%, o que se deve principalmente às maiores dificuldades para acessar crédito. Para 27,8% dos entrevistados ficou mais difícil para conseguir empréstimo para comprar a prazo em relação ao mesmo período do ano passado. As perspectivas profissionais também diminuíram, mas 60,9% esperam melhoria profissional para os próximos seis meses

Fonte: http://www.correiodoestado.com.br/noticias/campo-grandenses-freiam-o-consumo_111415/

quinta-feira, 12 de maio de 2011

A objetificação do conforto

Nossos artefatos – móveis, eletrodomésticos e outros tipos de objetos – fazem parte de nossa cultura material. A arquitetura, o material utilizado, a forma como o mobiliário era desenhado, os tapetes eram tecidos, as roupas modeladas e costuradas, são indícios da sociedade que pertencemos, em que as relações simbólicas com os objetos fazem sentido.


Rybczynski (1999) se coloca muito bem quando indaga e faz uma leitura temporal acerca de uma peça do mobiliário, a cadeira:
"e o que é que uma cadeira do século XX nos tem a oferecer? Ela demonstra uma crença otimista na tecnologia e no uso eficiente dos materiais. Mostra uma preocupação pela fabricação, e não pelo artesanato no sentido tradicional, mas por uma montagem precisa e exata. É uma peça objetiva, sem frivolidades ou enfeites. Ela dá status; pode-se comprar um carro usado por menos que muitas cadeiras modernas. Ela exibe leveza e mobilidade, e pede para ser admirada por estes motivos – assim como um abrigo de acampamento bem-feito. Mas ela não convida a nos sentarmos nela, ou, pelo menos, não por muito tempo. A cadeira rococó convida a uma conversa e a cadeira vitoriana convida a cochilos após as refeições, mas a cadeira moderna é totalmente comercial. “Vamos eliminar este negócio de sentar e voltar a algo mais prático”, ordena ela. Ela representa muitas coisas, esta cadeira , mas não mais o bem-estar, o descanso ou, digamos a verdade, o conforto." (p.219)

O que se pode dizer que as próprias noções de conforto e de bem-estar são culturalmente construídas a partir de experimentações e precisam de tempo para se popularizar. Ou ainda, da troca de experiências entre indivíduos ou veículos midiáticos, mas percebe-se um tom educativo do uso dos bens e artefatos. A publicidade, por exemplo, possui esse caráter, ao demonstrar como se utiliza um determinado produto durante a propaganda quando é ensinada sua serventia e como a sua aquisição trará algum benefício para quem o compra. Pode ter um discurso utilitarista, como poupar o tempo, ou mais focalizado na atribuição de sensações prazerosas, estéticas ou sensoriais, o conforto oferecido por um determinado sofá.

Deve-se ressaltar que de fato a ideia de conforto e bem-estar que temos hoje foi sendo construída ao longo dos anos e pode ser transformada futuramente, e ainda, nem todos os grupos sociais atribuem a mesma noção às mesmas experiências e artefatos. Há aqueles que tomam como conforto outras sensações, um estilo de vida mais “simples” e menos tecnológica, por exemplo, ou uma comida preparada sem temperos artificiais e feita em fogão a lenha.

Ao realizar uma pesquisa acerca de furto de energia elétrica em um bairro da região metropolitana do Rio de Janeiro percebi que para o grupo analisado (denominado “nova classe média”) essa noção de conforto está intrinsecamente ligada à posse de produtos eletroeletrônicos, que muitas vezes, após comprados, são simplesmente esquecidos nas prateleiras das cozinhas, ou devido à dificuldade de manuseio ou devido o aumento da conta de energia elétrica.

Algumas cozinhas que pude adentrar ao ser convidada possuíam muitos desses aparelhos que são apresentados pelas propagandas como fáceis e práticos, alguns até possuíam cores diferenciadas, mas segundo minhas informantes no dia-a-dia para a mulher (dona de casa ou que trabalha fora) dificilmente quer ter o trabalho de procurar em sua cozinha (muitas vezes pequena) onde colocou “aquele aparelho” comprado para aquela situação e que nunca aprendeu a usar direito. (YACCOUB,2010, p.197)

Uma das entrevistadas revelou que, nos dias de calor, o quarto dela – o único da casa que possui ar-condicionado – vira um acampamento. Ela coloca colchonetes espalhados pelo chão e seus três filhos dormem apertados. E ai nos questionamos:

Até que ponto dormir apertado no chão para usufruir do ar condicionado pode ser considerado um conforto? Para quem? Até que ponto os eletroeletrônicos podem de fato conferir bem-estar que muitos grupos sociais absorveram e reproduzem? Uma boa olhada nos armários e prateleiras das cozinhas e estantes onde estão aparelhos eletrônicos empoeirados seria um bom sinal para testificar a noção de conforto que nossa sociedade vem tomando como legítima.

Pode-se afirmar que quanto em determinados casos conforme se aumenta o conforto acresce-se o preço pelo produto ou serviço. Se o indivíduo possui um carro potente, com ar condicionado, vidros elétricos, direção hidráulica, enfim, um modelo de primeira linha extremamente confortável, o valor para da manutenção e dos impostos será bem mais alto que de um carro popular e econômico que não lhe proporcionaria o mesmo grau de conforto e bem-estar. Também ocorre em restaurantes, decorados por designers da moda, com cardápio meticulosamente criado por um chef exclusivo, que tem o cuidado de selecionar os produtos que servirão para confeccionar os seus pratos, e servi-los com uma apresentação estética fantástica, proporcionando a satisfação de experimentar, em um único prato, sabor, beleza, bem-estar e aromas. Para isso tudo, há um preço mais alto a ser pago.

Conforto e bem-estar, na contemporaneidade, se não são mercadorias, pelo menos são atributos que agregam valor aos produtos, aumentando seu poder mercantil. Essa fruição e o desejo de experimentações diferentes fazem com que os indivíduos comprem essas experiências, e paguem alto, na maioria das vezes, por elas.

Lipovetsky (2007) afirma que o “conforto e bem-estar sensitivo” se impõem como “um novo horizonte de sentido”, a condição imprescindível para se ter felicidade, segundo ele “uma dos grandes fins da humanidade que já não aceita sofrer sua evolução”. (Ibid., p.217). Embelezar a vida, e conquistar cada vez mais satisfações materiais compõem um bem-estar que “concretiza o ideal da felicidade”. Ele destaca:

O que se chama conforto constitui inegavelmente uma das grandes figuras do bem-estar moderno.

sábado, 7 de maio de 2011

Consumo, Moda e a vida social das coisas

Demanda = desejo + necessidade
Para Braudrillard (1981 Apud Appadurai 2008), o consumo (ou demanda) surge como uma séride de práticas e classificações sociais, ao invés de pura e simples necessidade humana. Gell (in Appadurai 2008) mostra que entre na índia, para os gondes o consumo é intimamente ligado a exibições coletivas, ao igualitarismo econômico e à sociabilidade. Para esse grupo, há um interesse em manter as tradições tribais e o consumo gira em torno desse contexto. Assim, não há interesse em adquirir mercadorias fora da tradição, mesmo havendo capital e acesso para tal.

Assim são os boicotes a determinados produtos de empresas consideradas politicamente incorretas. Há uma tendência atualmente de se conhecer a origem dos produtos, assim como a forma de tratamento de seus empregados, o processo de trabalho para produzir a mercadoria. Há dois lados nessa vertente, por um lado para as empresas responsáveis cria-se uma nova forma de agregar valor aos seus produtos e serviços, como o selo verde da madeira, ou o papel reciclado. E também há o encorajamento da população a observar essas questões na hora de escolher o produto, vemos crescer o número de pessoas preocupadas com o meio ambiente e escolhendo produtos pautados nessa lógica de consumo, o chamado consumo verde.

O consumo para o autor é eminentemente social, relacional e ativo, em vez de privado, atômico e passivo. As pessoas escolhem o que vão consumir, são motivadas por interesses e crenças diversas, podem até ser motivadas pela publicidade mas não é garantida caso seja feito. O autor afirma haver dois tipos diferentes de relação entre consumo e produção, de um lado determinada por forças sociais e econômicas, de outro pode manipular estas forças econômicas e sociais.

Dessa forma, a demanda das classes mais ricas (ou célebres) estabelecem padrões de consumo e gostos, ou seja se uma celebridade usa determinado produto, e isso for divulgado na mídia, há uma fortíssima chance desse produto cair no gosto popular caso seu valor de mercado seja acessível. Como por exemplo o caso das sandálias Havaianas, onde a partir de uma mudança de estrutura publicitária, o constante uso do produto por artistas e celebridades, caiu no gosto popular se tornando líder do setor.

Há um verdadeiro controle político da demanda, fazendo com que se crie inclusive um mercado para divulgar produtos, existem assessores de imprensa e empresas especializadas que agenciam produtos, altos cachês são pagos, revistas especializadas em mostrar a vida dos ricos e famosos ganham espaço e notoriedade. Todos querem ver e serem vistos usando determinados produtos, ou aquele produtor quer ver o seu produto estampado na capa, uma promessa de lucro e aumento das vendas.

Assim, como na França de Luis XV, o rei Sol se tornou modelo de beleza e sofisticação para toda a realeza e sociedade, criando modismos, modelos de vestuários exclusivos, lançando mão muitas vezes de proibições de usos de cores para ser único, inclassificável, e soberano, a sociedade contemporânea também possui seus tabus de consumo, suas leis de usos e costumes e suas formas de classificação.

Dessa forma, limitam acesso a produtos pelo alto valor, pelo número limitado de similares promovendo além de tudo, demarcação da posição social, onde regras sociais de consumo são mudadas constantemente em prol do bom gosto daqueles que ditam a moda. A moda por sua vez é a grande vilã dos excluídos e marginalizados social e financeiramente, pois sua natureza fugaz, flexível e variável faz com que se torne economicamente impossível segui-la.

Bens de Luxo

Os bens de luxo não são considerados uma classe especial de coisas, mas sim um registro especial de consumo e também não são postos em contraste com a necessidade, mas o que Appadurai afirma é que esse tipo de “coisa” possui um uso principal que ele denomina de retórico e social, bens que são símbolos materializados, sendo a necessidade a que eles correspondem fundamentalmente política.

O autor separa alguns atributos, que ele chama de “traços distintivos” desses artigos de luxo como por exemplo, a restrição seja pelo preço ou por lei, onde apenas as elites têm o “direito” ou a possibilidade de os possuir; a complexidade de aquisição, a virtuosidade semiótica, capaz de assimilar com legitimidade mensagens sociais; conhecimento especializado para o consumo de acordo com a moda; e um alto grau de associação do seu consumo e o corpo, a pessoa e a personalidade. (pág 57)

Appadurai afirma que a moda em determinados contextos é o impulso de imitar novas potências. Não se ponde negar que em se tratando de vestuário e acessórios, hoje as grandes referências de moda se encontram na Europa e nos EUA em Nova Iorque. Dentro do contexto brasileiro se encontram São Paulo e Rio de Janeiro. Há um verdadeiro mercado de especialistas, jornalistas de moda, consultores de estilo que são contratados para acompanhar todos os desfiles ao redor do mundo e divulgar informações consideradas valiosíssimas referente a tendência da próxima estação. Sites especializados são criados e oferecem tais tendências a preços de assinatura abusivos, criando uma verdadeira mercantilização do conhecimento imaterial.

Dessa forma há o advento do mercado da cópia, da pirataria de estilos, fazendo dois movimentos distintos, um para com a autenticidade, marcas e grifes famosas acabam por investir cada vez mais em assegurar seus produtos seja através de um trabalho extremamente especializado e de difícil produção para dificultar a cópia, ou então apostam no número de série, fazendo etiquetas numeradas para assegurar que o seu cliente está comprando um item autêntico de sua coleção.

Uma outra vertente, a dos consumidores que querem estar na moda, de acordo com os parâmetros ditados pelo mercado fashion, mas que não tem capital suficiente, investem em produtos que se “inspiram” nas tendências de moda, e que satisfazem esse cliente e cabem dentro de seus bolsos.

Appadurai sabiamente parte para a análise do famoso ensaio de Walter Benjamim “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, onde reconhecia que a aura de uma obra de arte autentica está ligada a sua autenticidade, e é posta em risco com o advento das novas tecnologias, como no caso a fotografia, mas que dentro desse contexto a assinatura acaba se tornando um meio de legitimar as obras de arte. Assim como o número de série acabou validando os produtos dentro do campo da moda.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A democratização da cidade*

*Artigo publicado originalmente no Globo de 09/04/2011

Sérgio Magalhães
Todos desejamos nossas cidades bem tratadas, funcionais, amigáveis. Sim, mas no cotidiano urbano estamos acostumados com cenas de desrespeito às posturas públicas, de uso inadequado do espaço coletivo, de descaminhos no trato de bens comuns.

Mas, se tais atitudes surpreendem o visitante, nem sempre afetam o olhar local. Quais seriam as razões desse quadro de incoerência entre o desejado e o vivido?

Penso que entre elas se encontra a ainda baixa democratização da cidade, que se expressa por assimetrias importantes na prestação dos serviços públicos.

A baixa democratização, infelizmente, não é um discurso. A prática urbana brasileira demonstra a grande escassez de serviços públicos nas áreas pobres. Sabemos (e nos acostumamos) que nelas há carência de esgoto e de abastecimento de água, falta transporte, que o espaço público é mal tratado, manutenção e conservação quase inexistem, que é intermitente ou ausente o serviço público de segurança.

As assimetrias intraurbanas têm seu corolário na baixa exigência. Como a cidade é una, e vivida por todos,os padrões de exigência tornam-se muito tolerantes — e se rebatem pelo conjunto, desqualificando-o. Aceita-se conviver com inacessibilidade nos passeios, obstrução no trânsito, vazamentos nas redes de infraestrutura, buracos sucessivos, manutenção precária,enfim, incivilidades.

Urbanisticamente, há uma consequência pouco estudada: a mobilidade demográfica na cidade. Isto é, por carência dos serviços públicos, degradam-se algumas áreas e os moradores são estimulados a se mudarem para outros bairros. Muitos o fazem para áreas de expansão. Mas, na medida em que as cidades se expandem, mais rarefeitos e mais assimétricos tendem a ser os serviços.

No Rio, há o exemplo da Zona Norte suburbana. Mesmo estando muito bem situada no contexto da metrópole, milhares de seus moradores optam por emigrar à conta das condições insatisfatórias da área, que se eternizam. O enfraquecimento da região é explicado em geral pelo esvaziamento industrial, mas é preciso considerar o papel da degradação dos serviços públicos,em especial o da segurança. É ilusório achar que será possível combater a desigualdade por decurso de prazo — sem políticas específicas.

Veja-se o caso da retomada dos morros da Penha e do Alemão, em uma política específica que se opõe à degradação. Retomado o coração da Zona Norte, tendem a melhorar os serviços públicos, e os bairros da região, hoje deprimidos, poderão ter um rejuvenescimento no seu parque imobiliário e habitacional, retendo seus moradores.

Tínhamo-nos esquecido que a cidade é o lugar da liberdade. “O ar da cidade liberta”, diz o provérbio medieval. E que o papel fundador do Estado é garantir a segurança. Ela garantida, o jogo da democracia poderá redirecionar prioridades.

Assim, o desafio se voltará para os demais serviços públicos urbanos, no objetivo de reduzir assimetrias injustas.

Muitas cidades brasileiras têm feito o esforço de construir infraestruturas, buscando ampliá-las para as áreas mais carentes. No Rio de Janeiro, a urbanização de favelas já tem boa experiência e é meta da cidade, assumida pelo prefeito, de assegurar que até 2020 todos os assentamentos informais estejam plenamente urbanizados. Esse programa, Morar Carioca, se constituiria como o principal legado social dos Jogos de 2016. A tarefa não será fácil, mas é possível.

Contudo, seja no Rio ou nas cidades que buscam equalizar a oferta de infraestrutura, a manutenção dessa nova realidade implicará em custos financeiros permanentes. Em compensação, serão reduzidos os custos sociais e as perdas de oportunidades e de empreendedorismo que o ambiente degradado acarreta. De todo modo, será preciso uma atenção especial para que os investimentos não se percam. É um trabalho que extrapola os governos e precisa envolver os cidadãos.

Quando as sociedades ficaram atentas para as desigualdades sociais, concebeu-se um acompanhamento que pudesse ajudar a percebê-las de modo sintético: o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH. Ele tem sido muito útil nas comparações e verificações dos avanços conseguidos.

Quem sabe devamos pensar em indicadores de atendimento dos serviços públicos urbanos? Algo como um IDC, índice de democratização da cidade, que ajude a monitorar a redução das assimetrias na prestação dos serviços. Que nos informe como eles estão no cotejo entre as cidades, mas também que possam informar sobre os bairros de uma mesma cidade.

Afinal, as cidades do século XXI, motores do desenvolvimento, requerem ser lugares seguros, funcionais,democráticos. No Rio, reduzidas as assimetrias, aflorarão com mais força as virtudes da cidade existente, múltipla,diversa, amigável. E o cidadão poderá fundir o desejo e a realidade em sua prática urbana.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A cultura material e a construção de nossa subjetividade

por Robson Campaneruti

Observando a cultura de consumo, percebemos que a materialidade ganhou maior força na sociedade contemporânea. Entretanto, desde os primórdios da humanidade a cultura material esteve presente, fornecendo objetos que demarcam períodos e até certa “evolução tecnológica”. Já vimos que os objetos apresentam sua forma utilitária e também não podemos descartar a centralidade de seu valor simbólico. Os objetos adquirem história, representam eras e memórias, individuais ou coletivas.

Um exemplo paradigmático na Antropologia configurou-se quando Malinowski (1884-1942), ao retornar de sua expedição nas Ilhas Trobriand, foi indagado a respeito da verdadeira utilidade das trocas cerimoniais do kula. Essas trocas estabeleciam e configuravam a circulação de braceletes e colares entre os nativos daquelas ilhas. Malinowski foi ao Museu da Coroa britânica e lá pode perceber a relação entre bens “sem utilidade” prática, mas com grande valor histórico e simbólico, para os povos que veneram tais bens. Ou seja, sem esses objetos como poderíamos definir que os braceletes e colares que circulam no kula ou as jóias da Coroa são de determinado povo ou período histórico? Portanto os objetos “organizam (...) a percepção que temos de nós mesmos, individual e coletivamente” (CLIFFORD apud MEZABERBA, 2010, p.121)

A trajetória dos bens sinaliza a fluidez de sua própria condição: ao percorrer sua “biografia”, sua posse e usos podem torná-los mercadorias, objetos cerimoniais, souvenires, estimular a memória afetiva, presentes dados ou recebidos (lembramos da discussão do módulo 1!), doados, herdados, contemplados, entre outros. Mas é preciso também observar o quanto eles NOS modificam, nos caracterizam, enfim, nos identificam. Podemos nos imaginar, por exemplo, dirigindo três tipos de carros em três situações diferentes: um Fusca 1973 num bairro de elite, um Novo Uno pela cidade ou então uma Land Rover 4x4 zero km num bairro popular. Como nos sentiríamos? Ou mais, como as pessoas nos reconheceriam?
Observamos que os objetos nos identificam com algumas experiências e até nos identificam.
Nosso cotidiano está impregnado de objetos materiais, que nos relacionam e nos situam na vida social. Como vimos nas aulas anteriores, o consumo é ponto norteador para entendermos a cultura material. Entretanto, como nos aprofundarmos nesta questão que nos parece tão óbvia? Os objetos são peças fundamentais na construção de nossos sistemas culturais, mesmo não tendo consciência de sua origem ou de sua transformação no decorrer da História.

Segue abaixo um texto como exemplo de construção material da cultura, reforçando que não existem objetos culturais “primários” ou “genuínos”. A cultura material nos referencia, mesmo que seja de forma inconsciente, e por nós é manipulada de acordo com os nossos valores (morais e/ou culturais) e códigos sociais.


CIDADÃO 100 % NORTE-AMERICANO

“O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão, cuja planta se tomou doméstica na índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo: ou de seda; cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso de mocassins que foram inventados pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos e entra no banheiro, cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia, e lava-se com sabão, que foi inventado pelos antigos gauleses; faz a barba, que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do Antigo Egito.

Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira de tipo europeu meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no Antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra no pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas.

De caminho para o breakfast pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é o inventado na Itália medieval, a colher vem de um original romano. Começa seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a ideia de aproveitar seu leite são originários do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na índia. Depois das frutas e do café, vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou uma planta doméstica na Ásia Menor. Rega-os com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de urna espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia oriental, salgada e defumada por um pro­cesso desenvolvido no norte da Europa. Acabando de comer nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta original do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarros provenientes do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for um bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser 100% americano.”



Fonte: LINTON, Ralph. O homem: Uma introdução à antropologia. 3ed., São Paulo, Livraria Martins Editora, 1959. Citado em LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003, p.106-108]