sábado, 1 de dezembro de 2012

EM BUSCA DA NOVA "CLASSE S"

Data: 23/10/2012
Autor(es): Thais Lobo
Crescimento da classe média e o consequente aumento do poder de compra do brasileiro impõem novos desafios ao Consumo Sustentável

Acelerados. Redução de impostos facilitou a venda de 2,5 milhões de carros entre janeiro e agosto de 2012

Economia verde

O churrasco no quintal de casa para um seleto grupo de parentes e amigos fora organizado para comemorar "uma grande bênção" da família. Ainda sem saber do que se tratava, a antropóloga Hilaine Yaccoub foi escoltada pelos anfitriões para o interior da residência numa favela carioca, de modo a ser finalmente apresentada à protagonista do evento: uma moderna geladeira com tecnologia frost free . Apesar da celebração inusitada, a compra de eletrodomésticos e de outros bens faz cada vez mais parte da rotina de uma parcela da população que, se antes era marginalizada, agora já dita as regras do jogo: a chamada nova classe média responde hoje por 42% do total gasto em consumo pelas famílias brasileiras, impondo novos desafios a uma economia verde que ainda engatinha.

Flutuando entre as alcunhas de motor da economia, de um lado, e futura vilã do meio ambiente, de outro, a classe C fez sua estreia na "festa do consumo" carregando o peso de já representar o segmento com o maior poder de compra do país - um mercado consumidor de 104 milhões de pessoas, maior do que o composto pela população das Filipinas (103,7 milhões) ou do Egito (83,6 milhões). Mas como impor barreiras de mercado a uma classe que teve o direito de consumo praticamente negado por anos? Ou mesmo como falar em educação ambiental sem considerar que foram as classes mais altas as principais responsáveis pela degradação do meio ambiente ?

Um dos caminhos apontados por especialistas é mobilizar e engajar empresas e governos em torno da sustentabilidade antes mesmo de tentar conscientizar esse grupo para um Consumo Sustentável. Para João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Consumo Consciente também deve passar pela governança.

- Há muita cobrança em cima do consumidor para a tomada de consciência, mas muitas vezes esquece-se de que ele não pode ser o único penalizado. Produção e Consumo Sustentável têm que andar juntos - defende Amaral. - Há facilidades para adquirir carros, mas se gastam horas no trânsito. A estrutura não permite consumidores sustentáveis.

As ofertas do mercado são tentadoras, e o governo também vem dando seu empurrãozinho. Já prorrogou três vezes a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis e eletrodomésticos - o penúltimo benefício foi estendido uma semana após a Rio+20, que teve como tema central a discussão sobre a economia verde. O recuo tem feito a venda de carros bater recordes: de janeiro a agosto deste ano, foram 2,5 milhões de veículos vendidos, aumento de 5,5% em relação ao mesmo período de 2011.

Apesar de o debate sobre sustentabilidade enfrentar desafios em diversos campos, é nas classes populares que ele ganha novos obstáculos. Para Hilaine Yaccoub, que desde o início do ano mora em uma favela não pacificada do Rio para estudar a dinâmica do consumo das classes C, D e E, a falta de acesso a serviços públicos dificulta a adoção de novas práticas.

- Manter a luz ligada a noite inteira na varanda é algo supérfluo para quem tem iluminação pública na rua. Mas para muitos é essencial porque cria uma sensação de segurança - compara Hilaine, da ESPM. - Fazer um gato de luz e manter o ar-condicionado ligado não é visto como algo que fere a sustentabilidade. Como não há acesso aos serviços, a população faz seus arranjos, sem saber o custo real.

Pesquisa realizada pelo Instituto Akatu em 2010 sobre a percepção do consumidor brasileiro mostrou que o grupo classificado como "indiferente" passou de 25% em 2006 para 37% em 2010. O crescimento de 12 pontos percentuais esteve principalmente ligado, segundo o estudo, ao rápido movimento de ascensão social.

A dificuldade de identificar uma ação rotineira como sustentável também pode ajudar a explicar os números.

- Existe um grande comprometimento social que não é percebido como sustentabilidade. São pequenas ações como separar latinhas para o catador que mora na comunidade, apesar de não fazer o mesmo com o lixo. Ou ajudar uma pessoa portadora de deficiência comprando em seu comércio - exemplifica Hilaine.

Para a coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Cidade e Mudança Social da UFF, a socióloga Leticia Helena Veloso, entender a dinâmica de consumo é a melhor forma para estruturar políticas que incluam estes grupos.

- Pela rapidez do fenômeno, as pessoas estão adotando novos hábitos de consumo e mantendo práticas antigas. Compra-se uma geladeira imensa, mas continua-se a fazer pequenas compras no mês. Pela lógica, não seria preciso, mas o que vale é "se posso, por que não ter?" - aponta Leticia. - Porém esse grupo sempre comparou muito ao comprar. É uma sustentabilidade que fala diretamente ao bolso.

A quantificação do custo ambiental ainda é, de fato, um dos desafios da economia de mercado. Para o economista Sérgio Besserman, é fundamental que produtos sustentáveis também caibam no orçamento dessas classes.

- Falar em uma educação ambiental dessa nova classe C é demagógico. Agora, levar informação e conhecimento para que esses consumidores possam fazer escolhas pode ser um caminho - aponta Besserman.

20/10/2012
Fonte: O Globo

Barateamento de celulares e câmeras revoluciona forma como classes C, D e E registram dia a dia




RIO — Um passado sem rosto e sem rastro transformou a figura da mãe numa pálida lembrança. E levou consigo a imagem da menina Camila, ex-moradora de rua, sem deixar na adulta a certeza de como era quando criança. Com a morte da mãe no parto do oitavo irmão, há nove anos, depois de peregrinar com os sete irmãos pelas ruas de diversos bairros do Rio, ela ganhou uma casa. Foi morar com a tia, em Duque de Caxias. Cada irmão seguiu para viver com um parente.

A história da família Gomes, até a geração de Camila Claudia, hoje com 21 anos, é apenas oral. Não há um único registro fotográfico dessa vida nômade. Nem fotos, nem documentos. Camila não tem certidão de nascimento, o que impede o acesso aos direitos mais elementares. E não se lembra de ter visto fotos da mãe.

Uma aflição latente ficou de herança. Os nascimentos de Camille, de 2 anos, e Sofia, de 5 meses, trouxeram um novo desejo à vida da menina sem foto. Há pouco menos de dois anos, ela comprou um celular com câmera, exclusivamente para fotografar a primeira filha.

Camila tem a chance agora de deixar impressa sua passagem pelo mundo. Ela ilustra farta variedade de estatísticas que apontam para o consumo crescente de celulares e câmeras digitais no país, instrumentos também de inclusão. Nos últimos três anos, o item de consumo que mais cresceu no Brasil foi a câmera digital (de 20% para 35%), indicam dados da consultoria Kantar Worldpanel, divulgados em setembro. Um estudo da Fecomércio do ano passado mostra que, de 2003 a 2009, o gasto com celular já havia aumentado 63,6% em todas as classes sociais. Na E, chegou a 312%. Soma-se a estes um outro dado, e a equação se completa: cerca de 66% dos brasileiros usam o celular para tirar fotografias, segundo pesquisa do Instituto Data Popular colhida este ano.

A democratização do acesso se consolidou, confirma a assessora econômica da Fecomércio-SP, Kelly Carvalho. A oferta maior de crédito, a ascensão das classes C, D e E, e a popularização irreversível da internet são agentes dessa revolução nos costumes:

— Hoje é quase impossível imaginar alguém que não tenha acesso a isso.
A antropóloga Hilaine Yaccoub, uma das autoras do blog Consumoteca, que analisa hábitos de consumo das classes C, D e E, atesta que estamos diante de novos tempos, moldados pela democratização do acesso ao registro de imagens. Tempos em que as classes populares deixaram de ser apenas o objeto fotografado (e, mesmo assim, discretamente) e tornaram-se também agentes desse universo pictórico: são produtores, em escala crescente, de imagens de seu cotidiano.

— A história oral da vida das famílias passa a ter um registro. As fotografias são uma narrativa, uma forma de contar a própria vida. Sempre quem tirava as fotos era gente de fora desse grupo social mais popular. Agora são eles falando e retratando a si mesmos. Antes, o processo era mais caro e mais complexo. Agora, é uma possibilidade de registros de descobertas. Muitas dessas descobertas são relacionadas a consumo, sabores, viagens — ressalta Hilaine.

Esse registro cotidiano era impensável em outros tempos. Antes da fotografia, no século XIX, apenas os muito ricos conseguiam pagar pelo registro, em pintura, de seus retratos.

— O homem comum não tinha esse acesso. Quando a fotografia surgiu, foi a oportunidade de a burguesia emergente ter acesso a um tipo de imagem de si mesmo que até então só a aristocracia fazia — narra o pesquisador e fotógrafo Pedro Karp Vasquez.

Enquanto comprava o celular, a prestação, Camila Claudia buscava um jeito de se registrar formalmente. Chegou a procurar em quatro cartórios de Duque de Caxias, sem o menor indício do lugar onde nascera. Ela diz que sabe seu nome porque a tia assim contou. Mas não consegue provar sua existência em nenhuma instância oficial. Enfrentou seu maior drama quando Camille nasceu, numa maternidade em Caxias: foi impedida de sair do hospital, porque não tinha como registrar a filha. Conseguiu uma autorização provisória, mas teria que providenciar os documentos. Antes disso, deixou a cidade e mudou-se para um casebre de três cômodos, na Gamboa.


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