quinta-feira, 12 de maio de 2011

A objetificação do conforto

Nossos artefatos – móveis, eletrodomésticos e outros tipos de objetos – fazem parte de nossa cultura material. A arquitetura, o material utilizado, a forma como o mobiliário era desenhado, os tapetes eram tecidos, as roupas modeladas e costuradas, são indícios da sociedade que pertencemos, em que as relações simbólicas com os objetos fazem sentido.


Rybczynski (1999) se coloca muito bem quando indaga e faz uma leitura temporal acerca de uma peça do mobiliário, a cadeira:
"e o que é que uma cadeira do século XX nos tem a oferecer? Ela demonstra uma crença otimista na tecnologia e no uso eficiente dos materiais. Mostra uma preocupação pela fabricação, e não pelo artesanato no sentido tradicional, mas por uma montagem precisa e exata. É uma peça objetiva, sem frivolidades ou enfeites. Ela dá status; pode-se comprar um carro usado por menos que muitas cadeiras modernas. Ela exibe leveza e mobilidade, e pede para ser admirada por estes motivos – assim como um abrigo de acampamento bem-feito. Mas ela não convida a nos sentarmos nela, ou, pelo menos, não por muito tempo. A cadeira rococó convida a uma conversa e a cadeira vitoriana convida a cochilos após as refeições, mas a cadeira moderna é totalmente comercial. “Vamos eliminar este negócio de sentar e voltar a algo mais prático”, ordena ela. Ela representa muitas coisas, esta cadeira , mas não mais o bem-estar, o descanso ou, digamos a verdade, o conforto." (p.219)

O que se pode dizer que as próprias noções de conforto e de bem-estar são culturalmente construídas a partir de experimentações e precisam de tempo para se popularizar. Ou ainda, da troca de experiências entre indivíduos ou veículos midiáticos, mas percebe-se um tom educativo do uso dos bens e artefatos. A publicidade, por exemplo, possui esse caráter, ao demonstrar como se utiliza um determinado produto durante a propaganda quando é ensinada sua serventia e como a sua aquisição trará algum benefício para quem o compra. Pode ter um discurso utilitarista, como poupar o tempo, ou mais focalizado na atribuição de sensações prazerosas, estéticas ou sensoriais, o conforto oferecido por um determinado sofá.

Deve-se ressaltar que de fato a ideia de conforto e bem-estar que temos hoje foi sendo construída ao longo dos anos e pode ser transformada futuramente, e ainda, nem todos os grupos sociais atribuem a mesma noção às mesmas experiências e artefatos. Há aqueles que tomam como conforto outras sensações, um estilo de vida mais “simples” e menos tecnológica, por exemplo, ou uma comida preparada sem temperos artificiais e feita em fogão a lenha.

Ao realizar uma pesquisa acerca de furto de energia elétrica em um bairro da região metropolitana do Rio de Janeiro percebi que para o grupo analisado (denominado “nova classe média”) essa noção de conforto está intrinsecamente ligada à posse de produtos eletroeletrônicos, que muitas vezes, após comprados, são simplesmente esquecidos nas prateleiras das cozinhas, ou devido à dificuldade de manuseio ou devido o aumento da conta de energia elétrica.

Algumas cozinhas que pude adentrar ao ser convidada possuíam muitos desses aparelhos que são apresentados pelas propagandas como fáceis e práticos, alguns até possuíam cores diferenciadas, mas segundo minhas informantes no dia-a-dia para a mulher (dona de casa ou que trabalha fora) dificilmente quer ter o trabalho de procurar em sua cozinha (muitas vezes pequena) onde colocou “aquele aparelho” comprado para aquela situação e que nunca aprendeu a usar direito. (YACCOUB,2010, p.197)

Uma das entrevistadas revelou que, nos dias de calor, o quarto dela – o único da casa que possui ar-condicionado – vira um acampamento. Ela coloca colchonetes espalhados pelo chão e seus três filhos dormem apertados. E ai nos questionamos:

Até que ponto dormir apertado no chão para usufruir do ar condicionado pode ser considerado um conforto? Para quem? Até que ponto os eletroeletrônicos podem de fato conferir bem-estar que muitos grupos sociais absorveram e reproduzem? Uma boa olhada nos armários e prateleiras das cozinhas e estantes onde estão aparelhos eletrônicos empoeirados seria um bom sinal para testificar a noção de conforto que nossa sociedade vem tomando como legítima.

Pode-se afirmar que quanto em determinados casos conforme se aumenta o conforto acresce-se o preço pelo produto ou serviço. Se o indivíduo possui um carro potente, com ar condicionado, vidros elétricos, direção hidráulica, enfim, um modelo de primeira linha extremamente confortável, o valor para da manutenção e dos impostos será bem mais alto que de um carro popular e econômico que não lhe proporcionaria o mesmo grau de conforto e bem-estar. Também ocorre em restaurantes, decorados por designers da moda, com cardápio meticulosamente criado por um chef exclusivo, que tem o cuidado de selecionar os produtos que servirão para confeccionar os seus pratos, e servi-los com uma apresentação estética fantástica, proporcionando a satisfação de experimentar, em um único prato, sabor, beleza, bem-estar e aromas. Para isso tudo, há um preço mais alto a ser pago.

Conforto e bem-estar, na contemporaneidade, se não são mercadorias, pelo menos são atributos que agregam valor aos produtos, aumentando seu poder mercantil. Essa fruição e o desejo de experimentações diferentes fazem com que os indivíduos comprem essas experiências, e paguem alto, na maioria das vezes, por elas.

Lipovetsky (2007) afirma que o “conforto e bem-estar sensitivo” se impõem como “um novo horizonte de sentido”, a condição imprescindível para se ter felicidade, segundo ele “uma dos grandes fins da humanidade que já não aceita sofrer sua evolução”. (Ibid., p.217). Embelezar a vida, e conquistar cada vez mais satisfações materiais compõem um bem-estar que “concretiza o ideal da felicidade”. Ele destaca:

O que se chama conforto constitui inegavelmente uma das grandes figuras do bem-estar moderno.