domingo, 8 de agosto de 2010

O tal olhar de perto e de dentro


Segundo Cardoso de Oliveira (2007), “A antropologia tem sido tradicionalmente caracterizada como uma disciplina que procura articular o olhar de fora com o olhar de dentro” (p.7), privilegiando, especialmente, o ponto de vista do nativo.
Ou seja, para este autor, esse entendimento da “cabeça do nativo” recai na atuação empírica do antropólogo como tradutor dos atos simbólicos, através das representações que os nativos têm das coisas e atitudes. Assim, para ter essa relação próxima, ele precisa, “estabelecer uma conexão fecunda entre seu horizonte e o ponto de vista do nativo”.
Demonstrar a compreensão da visão do “nativo”, do consumidor final, é tão importante quanto a visão macro do sistema estratégico empresarial e do Estado. No caso do campo da energia elétrica, após realizar pesquisas acerca da temática foi verificado que não havia qualquer investimento ou material que divulgasse ou apresentasse o ponto de vista dos consumidores, suas formas de uso e manipulação da energia.
O que foi encontrada tratava os usuários como números, índices, gráficos, estatísticas frias e segmentações de mercado através de perfis que nem sempre se aplicam, classificam sim, mas não explicam nada. Ou seja, são segmentados por características que muitas vezes não correspondem a sua identidade de consumidores. São atores sociais anônimos que estão à margem de uma humanização ou personificação, não possuem nome, desejos, flexibilidades para suas necessidades de consumo e pagamento.

A antropologia busca então mostrar que apesar dessa “invisibilidade”, os moradores (consumidores) possuem múltiplas redes, formas de sociabilidades, estilos de vida, deslocamentos, conflitos, etc. (MAGNANI, 2002). Esses constituem elementos que demonstram que os atores estão longe de serem pessoas passivas, devido às condições de desfavorecimento sócio-cultural ou econômico. Muito pelo contrário, essa rede cria meios de utilizar e reinventar serviços a seu favor - usos e contra-usos.
Daí a importância da realização de um trabalho de campo, uma imersão total no campo do outro, sem entrar no campo das moralidades, e sim, tentar olhar de perto e de dentro, esforçar em simplesmente conhecer e se colocar no lugar daquele que desejamos entender. Como saber o gosto de uma comida saboreada e valorizada pelo seu grupo se há preconceito por parte do pesquisador em experimentá-la? Obviamente que respeitando certos limites, até porque todos possuem os seus, há de haver uma flexibilização para entrar no universo do outro e compartilhar com ele o novo cotidiano e oportunidades que se apresentam. Só desta maneira se poderá pensar em uma legitimidade no conhecimento adquirido, pois só o pesquisador esteve lá, compartilhou, se relacionou e está munido de dados para posterior análise.

O “gato” é um exemplo, a comprovação que mesmo perante norma oficial (lei) e repressão institucionalizada (combate), há uma regra social tácita sendo colocada em prática, longe de todo discurso moral divulgado na mídia e empresas concessionárias. Como perceber todas as nuances e especificidades de grupos sociais múltiplos estando de longe e de fora (dentro dos escritórios, por exemplo0? Ainda mais, quando as relações estabelecidas se dão de forma assimétrica – “ricos e pobres”, “letrados e ignorantes”, “poderosos e dominados”? Posicionamentos dicotômicos tomados pela moralidade e paradoxo.
Enquanto isso, projetos sociais, educativos são elaborados com uma linguagem que não é entendida pela população-alvo. Trabalha-se muito pautado nos próprios valores daqueles que estão do lado de fora, sem sequer contextualizar, muitas vezes, de forma acertada as regras sociais e morais que poderão sim, sensibilizar aqueles que precisam mudar sua cultura e comportamentos de consumo.
O ofício do antropólogo, além da produção do conhecimento intelectual, é simplesmente traduzir diferentes comportamentos baseados nos contextos que eles ocorrem, para que não haja de forma alguma distorções, preconceitos e etnocentrismos.

Referências Bibliográficas:
CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís R. O Ofício do Antropólogo, ou Como Desvendar Evidências
Simbólicas, Serie Antropologia Vol 413, Brasília: DAN/Unb, 2007

MAGNANI, Jose Guilherme C. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. RBCS. Vol 17 n 49 junho, 2002.