domingo, 8 de agosto de 2010

O Antropólogo Extramuros


O Antropólogo Extramuros é aquele que atua além dos muros da Universidade. No Brasil, é incontestável a resistência e também a crítica no que se refere a antropólogos atuarem fora do ambienta acadêmico, mais precisamente em empresas.


Talvez, por ser a antropologia brasileira tradicionalmente ligada a alguma forma de movimento popular, engajamento político, e também os temas estudados estarem todos ligados a essas questões minoritárias, os pobres, os índios, os marginalizados, os negros, os camponeses, os trabalhadores, todos pertencentes a algum grupo oprimido que precisaria de um defensor, ou até um porta-voz.


Barbosa e Campbell (2006) argumentam que o tema consumo dentro das ciências sociais até recentemente era quase inexistente, e sofria de “preconceitos morais e ideológicos”. Os autores
afirmam que apenas economistas e profissionais de marketing expressavam algum interesse em se aprofundar nos estudos.


No entanto, a partir do final da década de 1970 há uma começo de interesse pelos historiadores e cientistas sociais pelo estudo do consumo como fenômeno nos Estados Unidos, e no caso do Brasil, o tema segundo os autores, ainda levanta “suspeitas”, sendo colocada a Antropologia do Consumo como um tema de menor relevância. Dessa forma, o tema consumo sempre foi acompanhado por inúmeros “vieses interpretativos ”como “consumismo”, “fetichismo”, “materialismo”, e que dentro das ciências sociais no Brasil, é visto como algo diretamente ligado ao “produto direto da produção, sem qualquer relação de exterioridade a ela” (p.11).


Presume-se que se o tema consumo como objeto de pesquisa, assim como a Antropologia do Consumo como disciplina sofreu e sofre preconceitos e resistências dentro dos muros da Academia, a atuação de um antropólogo (extramuros) dentro de uma empresa, instituto de pesquisa ou agência de publicidade para desenvolver etnografias se dá da mesma forma.


Mattos (2003) aponta que o número de antropólogos interessados em atuar no mundo empresarial é bastante reduzido. Barbosa (et alli) explica a escassez justamente fazendo referência ao caráter ideológico das ciências sociais, diferentes dos Estados Unidos onde a disciplina seria dotada de um caráter prático e empiricista. O autor afirma que até bem pouco tempo as ciências sociais eram influenciadas pelas políticas de esquerda, e por fatos sociais, compreendidos nos grandes temas como pobreza, sindicado, desigualdades sociais, cultura, etc.



Em seu livro Igualdade e Meritocracia a antropóloga e consultora Lívia Barbosa dedica parte de
seu trabalho em conjecturar a atuação e o lugar da profissão do antropólogo, fora e dentro da
academia. Ela afirma que o papel do antropólogo desde sua mais tradicional atuação foi permeada de oportunidades fora da academia, seja em agências governamentais, ou instituições sem fins lucrativos.


A autora faz um histórico do profissional da antropologia em variados meios, apontando como a
antropologia foi utilizada como fonte de renda para diferentes grupos e atores. Uma das suas mais importantes contribuições refere-se à questão do cuidado que se deve ter quanto à banalização do conceito de cultura e pesquisa etnográfica.


O pesquisador seja antropólogo ou de outra área (como os da área de marketing) deve ter o cuidado na realização da pesquisa etnográfica para não cair no erro de fazer apenas uma descrição detalhada, ou densa. No campo da antropologia, dados são reconhecidamente vazios se não são acompanhados de uma análise teórica adequada.

Assim, Barbosa (2003) aponta:


“... a produção teórica encolheu com a vulgarização. Grandes descrições foram equiparadas a
etnografias, e estas a observações participantes, que nunca foram mais do que grandes relatos...”
(p. 177)


Dessa forma, não basta colher uma infinidade de dados, se não houver um entendimento claro e
contextualização teórica do que os dados estão se tratando, a pesquisa é vazia e obscura. Assim, o
antropólogo atua dentro desse campo com maior destreza, pois sabe que o dado puro e simples não justifica nem apreende por si só. Seu background teórico é necessário para utilizar de forma adequada os métodos de pesquisa e avaliar os resultados posteriores.


A etnografia e a observação participante aplicadas ao mercado é possível se realizada por um profissional experiente, a longo prazo, com profundidade teórica e de imersão no campo.



Referências Bibliográficas:



BARBOSA, Lívia. Igualdade e Meritocracia: A ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003.


BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.


MATTOS, André Luis L B. Antropólogos e antropologia entre o acadêmico e o não-acadêmico: outras inserções”. Dissertação de Mestrado, IFCH/Unicamp. Março 2003.