terça-feira, 6 de agosto de 2013

Da arte de "moreirar"

Interessante como as cidades possuem algumas especificidades. Em Niterói, cidade vizinha ao município do Rio de Janeiro, com apenas 13 quilômetros de distância uma da outra e separadas pela Baía de Guanabara, possui algumas características próprias. Existe um salgado de lanchonete composto de massa assada recheada de queijo e presunto, no Rio, se chama joelho; em Niterói, italiano (em muitas outras cidades enroladinho). Em Niterói você não vai à casa DA Fulana e sim a casa DE Fulana.
Em Nikiti – apelido carinhoso -, temos um bairro conhecido pela sofisticação, glamour, usos do calçadão, orla bonita com prédios imponentes e uma rua comercial especialmente agradável principalmente para as mulheres: a Rua Coronel Moreira César.
Moreira César foi o coronel enviado a Canudos para dizimar o grupo de Antonio Conselheiro. Conhecido por decapitar seus adversários vencidos, Moreira César terminou decapitado pelos seguidores do líder religioso de Canudos. Lembro de uma época em que estudantes da UFF fizeram uma campanha (sem sucesso) para mudar o nome da tal rua: queriam que ela se chamasse Rua Antonio Conselheiro.
Nas manhãs de sábado, a partir das dez horas, a rua começa a ferver. As pessoas movimentam galerias e minishoppings com lojas de marca, outras nem tão conhecidas, mas incrivelmente charmosas, cafés, bancos ao longo da rua onde avós descansam com os netos, carrinhos de bebês por todos os lados e as mulheres enlouquecidas segurando bolsas e chafurdando nos camelôs estrategicamente dispostos ao longo da rua.
Em um dia desses, eu estava em um aniversário quando reencontrei algumas amigas que travaram um diálogo no mínimo curioso. Estavam marcando um encontro para “moreirar” e trocavam dicas do melhor camelô, o mais confiável para comprar marcas falsificadas. Sim, as moreiretes ou patricinhas de Nikiti usam produtos piratas com orgulho e a graça da conversa entre as duas era descobrir o que de fato era verdadeiro e falso.
“Ah, você precisa conhecer o meu camelô, um dia o débito não tava passando e ele me deixou levar fiado!”, contou a amiga
“E qual é o seu ponto?”, perguntou a outra, curiosa.
É interessante como elas assumiam o ponto do camelô como seus, como se fosse algo que, de fato, as identificasse – e sim, identificava.
A partir do meu questionamento sobre o uso dos artigos piratas elas disseram “Todo mundo acha que o que a gente usa é verdadeiro”. Isso me fez lembrar de uma entrevista que realizei sobre hábitos de consumo de luxo onde um entrevistado, de classe alta emergente, negro, comprava tudo de marca, óculos, roupas, cuecas, tênis, bolsas, mochilas etc. Ele contou que se qualquer pessoa branca com cara de rica usar um ou outro produto falsificado ninguém perceberá, no entanto, ele, que tem essas características, precisa usar tudo de marca porque o conjunto desses produtos agregarão valor à sua pessoa e assim ele será mais respeitado e visto de forma diferenciada.
As moreiretes investem nesses produtos falsificados sem medo de serem felizes porque o lugar que moram, os capitais cultural, social e econômico que possuem já agregam valor a elas. Não precisam recorrer a marcas e produtos “diferenciados”. E ainda há quem diga que o racismo no Brasil é apenas social. Esse caso serve para pensar a questão: a cor ainda é uma categoria classificatória.
Após participar de toda essa conversa empolgada, nos despedimos e uma amiga soltou a pergunta para a outra: “E você vai trabalhar assim, Carminha?” – a bolsa e o relógio MK dourado davam indícios do legado deixado pela personagem (consumidora emergente suburbana) da novela Avenida Brasil. E a resposta foi um “claro”, cheio de gargalhadas.

Por Hilaine Yaccoub



Texto originalmente publicado em http://www.consumoteca.com.br/consumo-feminino/2013/07/24/da-arte-de-moreirar/