segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Observação in lócuo:quando o lugar é fonte de observação de práticas de consumo

Texto originalmente publicado no site www.consumote.com.br

 
Habitar está vinculado ao estar, viver junto à prática cotidiana e compartilhar espaços. Os bairros adotam pessoas, que muitas vezes tomam para si seus hábitos, seus modos de fazer, suas maneiras de falar, mudam sua própria maneira de ser e se comportar, adquirindo outros atributos, outros valores, outras artes de viver.
A antropóloga Soraya Simões em sua tese sobre a Cruzada São Sebastião do Leblon, narra a necessidade do uso das ruas e da busca do bairro como espaço de observação e a importância do pesquisador estar lá, na condição de morador, neste caso, ajustando-se a dois papéis desempenhados por ele, antropólogo e vizinho, em que “sua vida pessoal se torna inextricavelmente misturada a pesquisa”.
Há para a antropologia o famoso e referencial caso do sociólogo Willian Foote-Whyte e sua experiência no início do século XX na Escola de Chicago, relatada no livro Sociedade de Esquina, quando morou em um bairro popular, que para ele seria imprescindível “praticar o bairro como o praticavam os membros do grupo da esquina.” É importante que o pesquisador use o bairro ou a favela, absorva seus costumes e suas regras sociais, uma vez que a organização da vida cotidiana se organiza, por meio de uma forma de “comportamento” que são as suas práticas.
“O usuário (do bairro) se torna parceiro de um contrato social que ele se obriga a respeitar para que seja possível a vida cotidiana… pode-se portanto apreender o bairro como esta porção do público em geral (anônimo, de todo mundo) em que se insinua pouco a pouco um espaço privado particularizado pelo fato do uso quase cotidiano desse espaço.” (Michel De Certau, A invenção do cotidiano, 2008, p.39-40)
As práticas comuns dos usuários do bairro se estabelecem graças à proximidade e coexistência concreta cotidiana de seus moradores, que são decisivas para a identidade dos próprios usuários ou grupos, na medida em que essa identidade lhe permite assumir o seu lugar na rede das relações sociais inscritas no ambiente.
Constitui-se, portanto, em uma abordagem bem diferente da empregada pelo pesquisador que, ao fazer incursões breves ou muito rápidas, não toma para si ou percebe as práticas, valores, hábitos, fazeres pertencentes àquele lugar, referenciais que ajudarão a entender práticas de consumo, escolhas, sonhos, desejos, etc.
No fim de minha empreitada, após oito meses morando em um bairro popular para a pesquisa de mestrado, eu já era vista como alguém “de dentro”, o que me possibilitou criar laços afetivos e também estabelecer relações de serviços. Essa percepção dos meus vizinhos abriu portas para que eu pudesse adentrar nas suas casas, observar seus modos de vida, suas escolhas de consumo, prioridade de compras, entre outros.
Estar lá é uma condição fundamental para entrar em contato com essas nuances comportamentais que só um pesquisador experiente poderá perceber e busca conquistar. Ao entrarmos no universo de nossos interlocutores fazemos parte de sua rede de contatos, de sociabilidade e acessamos informações do campo privado dificilmente disponível para “os de fora”, desconhecidos, sejam estes pesquisadores ou não.
Autora Hilaine Yaccoub