quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Madame Bovary – a mulher e o consumo conspícuo feminino

Muitos casos observados acerca do consumo feminino em muitos trabalhos de pesquisa parecem-me uma versão moderna do romance de Gustave Flaubert de 1857, Madame Bovary. A antropóloga Laura Graziela Gomes da Universidade Federal Fluminense contextualizou e utilizou como pano de fundo a história de uma mulher, Ema Bovary, pequeno-burguesa, criada no campo, mas que passou a ter aspirações estatutárias através da literatura. Ao se casar com um médico, o Charles Bovary vê a possibilidade de ascensão social. Influenciada pelos romances e padrões requinte e luxo contados em histórias sentimentais somado ao tédio do casamento, inicia uma busca por esse ideal, a imitação de um estrato social superior altamente valorizado por ela, que se torna possível através do consumo.
Em Madame Bovary, a crise é marcada pelas escolhas e decisões que Ema toma a partir do rompimento com o habitus de seu grupo social – que estabelecia, além de certas normas estéticas, um certo comedimento -, na medida em que constrói para si um gosto próprio, baseado no luxo e cultivado de certa forma completamente estapafúrdia.
A maneira como Ema lida com o dinheiro (do marido) fazendo com que esse também fosse instrumento de prazer e de luxo focalizado em sua necessidade individual foi um dos elementos que marcaram o romance de Flaubert, o outro ponto foi o adultério, mas que nosso caso aqui, não cabe qualquer aprofundamento analítico.
A antropóloga Laura Graziela Gomes assinala que “Ema Bovary é um primeiro instantâneo desse novo personagem social – o consumidor moderno – tal como conhecemos nos dias de hoje, com todas as suas contradições, paradoxos e ambiguidades”. A autora aponta que a pequena burguesia, estrato social que a personagem estava inserida, “era considerada um dos baluartes da ética do trabalho e da poupança”. Dessa maneira, Ema era a representação da ameaça ao patrimônio familiar, pautada na “imagem da dilapidação e da prodigalidade”…
No romance de Flaubert, Ema é descrita como uma mulher que se interessa por bens mundanos “fora de sua realidade imediata” os romances lidos por Ema são extremamente depreciados pelo autor, parecendo inclusive culpá-los pelas aspirações sociais da personagem. Segundo Flaubert, o problema estaria em como ela leu e fruiu esses livros, se apropriou deles para buscar ou construir o sentido de sua vida, ou seja, na forma conspícua. Simplesmente consumir para aparecer, para mostrar, para exibir.
Trazendo para o nosso contexto contemporâneo, uma versão daquela pequena burguesia descrita por Flaubert, baseada do trabalho e planejamento orçamentário, que vê no consumo feminino uma “possível ameaça” ainda existe. As mulheres atuais talvez não sejam influenciadas por romances e histórias de nobreza, mas hoje existem as novelas, com atrizes e modelos belíssimas (que também estão em capas de revistas) que ditam moda.
O universo feminino está em contato com novos padrões e estilos de vida e desejam se espelhar neste tipo de modelo, que influencia diretamente na forma de consumir (escolhas e gostos), como a Ema, as mulheres desejam cercar-se daquilo que julgam ser belo, requintado, uma forma de pertencimento e diferenciação entre seus iguais.
Tal como a personagem de Flaubert, em proporções distintas e menores (já que o fim de Madame Bovary é deveras trágico), alguns grupos de mulheres na atualidade, contraem dívidas, fazem empréstimos e elaboram táticas de controle orçamentário para conquistar os bens de consumo que não lhes cabiam, dado seu valor simbólico e financeiro.
Será que uma mulher simples, oriunda de classe popular sabe o valor de um vaso de murano? Ou um espelho de cristal? Ou uma cadeira Luis XV? Obviamente que seus hábitos e capitais não lhe conferem essa expertise, porém, tal como Ema, utilizou-se de outros meios apara apreender e imitar o que a classe superior valoriza, trazendo para dentro de sua vida, esses bens que de alguma forma faziam-na se sentir parte daquele mundo.
O romance Madame Bovary, como aponta Laura Graziela Gomes, foi o primeiro registro do consumidor moderno, “face a face com os dilemas éticos advindos de suas escolhas, baseadas cada vez menos em critérios de necessidade (utilitarismo), mas atendendo sim ao exercício do gosto e à busca do prazer e da felicidade pessoal em detrimento da felicidade coletiva”
A polêmica instaurada foi causada exatamente devido ao gosto apurado pela personagem pelo design, apesar de suas condições sociais, assim como ocorre com muitas consumidoras que se utilizam de meios não tão “convencionais” para comprar seus objetos de desejo, se essas mulheres oriundas das classes populares emergentes, a nova classe C ou a Ema Bovary pertencessem a uma camada social elevada, esse gosto e forma de consumo não causaria qualquer tipo de crise ou impacto, uma vez que a aristocracia é dotada de um habitus que contribui para sistema de valoração desses bens; além do fato que e a “prodigalidade e dilapidação não eram novidades nesse grupo social”. É certo que nem eram visto como dispêndio e sim investimento dado o valor conferido aos objetos adquiridos, pautados na sua origem, história, design, matéria-prima, etc.
Qualquer semelhança com as elites populares demonstradas na novela atual da Rede Globo, Avenida Brasil, não é mera consciência.