“Adorei o seu sapato”, disse uma amiga para mim certa vez.
“Legal, né? Eu comprei em uma feira de artesanato na Colômbia, achei super legal também”, eu respondi, de fato empolgada porque eu também adorava o sapato. Foi o suficiente para causar reticências quase visíveis nela e no namorado e, se não fosse chato demais, eles teriam dado uma risadinha e rolariam os olhos um para o outro, como quem diz “que metida”. Mas para meia-entendedora que sou, o “ah…” que ela respondeu bastou.
Incrível é que posso afirmar com toda convicção que, se tivesse comprado aquele sapato em um camelô da 25 de março, eu responderia com a mesma empolgação “Legal, né? Achei lá na 25!”. Só que aí sim eu teria uma reação positiva, porque comprar na 25 “pode”.
Experiências como essa fazem com que eu mantenha minhas viagens em 13 países, minha fluência em francês e meus conhecimentos sobre temas do meu interesse (linguística, mitologia, gastronomia etc) praticamente para mim mesma e, em doses homeopáticas, comente entre meu restrito círculo familiar e de amigos (aquele que a gente conta nos dedos das mãos).
Essa censura intelectual me deixa irritada. Isso porque a mediocridade faz com que muitos torçam o nariz para tudo aquilo que não conhecem, mas que socialmente é considerado algo de um nível de cultura e poder aquisitivo superior. E assim você vira um arrogante. Te repudiam pelo simples fato de você mencionar algo que tem uma tarja invisível de “coisa de gente fresca”.
Não importa que ele pague R$ 30 mil em um carro zero, enquanto você dirige um carro de mais 15 anos e viaja durante um mês a cada dois anos para o exterior gastando R$ 5 mil (dinheiro que você, que não quer um carro zero, juntou com o seu trabalho enquanto ele pagava parcelas de mil reais ao mês). Não importa que você conheça uma palavra em outra língua que expressa muito melhor o que você quer falar. Você não pode mencioná-la de jeito nenhum! Mas ele escreve errado o português, troca “c” por “ç”, “s” por “z” e tudo bem.
Não pode falar que não gosta de novela ou de Big Brother, senão você é chato. Não pode fazer referência a livro nenhum, ou falar que foi em um concerto de música clássica, ou você é esnobe. Não ouso sequer mencionar meus amigos estrangeiros, correndo o risco de apedrejamento.
Pagar R$200 em uma aula de francês não pode. Mas pagar mais em uma academia, sem problemas. Se eu como aspargos e queijo brie, sou “chique”. Mas se gasto os mesmos R$ 20 (que compra os dois ingredientes citados) em um lanche do Mc Donald’s, aí tudo bem. Se desembolso R$100 em uma roupa ou acessório que gosto muito, sou uma riquinha consumista. Mas gastar R$100 no salão de cabeleireiro do bairro pra ter alguém refazendo sua chapinha é considerado normal. Gastar de R$30 a R$50 em vinho (seco, ainda por cima) é um absurdo. Mas R$80 em um abadá, ou em cerveja ruim na balada, ou em uma festa open bar… Tranquilo!
Meu ponto é que as pessoas que mais exercem essa censura intelectual têm acesso às mesmas coisas que eu, mas escolhem outro estilo de vida. Que pode ser até mais caro do que o meu, mas que não tem a pecha de coisa de gente arrogante.
O dicionário Aulete define a palavra “arrogância” da seguinte forma:
1. Ação ou resultado de atribui a si mesmo prerrogativa(s), direito(s), qualidade(s) etc.
2. Qualidade de arrogante, de quem se pretende superior ou melhor e o manifesta em atitudes de desprezo aos outros, de empáfia, de insolência etc.
3. Atitude, comportamento prepotente de quem se considera superior em relação aos outros; INSOLÊNCIA: “…e atirou-lhe com arrogância o troco sobre o balcão.” (José de Alencar, A viuvinha))
4. Ação desrespeitosa, que revela empáfia, insolência, desrespeito: Suas arrogâncias ultrapassam todo limite.
Pois bem. Ser arrogante é, então, atribuir-se qualidades que fazem com que você se ache superior aos outros. Mas a grande questão é que em nenhum momento coloco que meus interesses por línguas estrangeiras, viagens, design, gastronomia e cultura alternativa são mais relevantes do que outros. Ou pior: que me fazem alguém melhor que os outros. São os outros que se colocam abaixo de mim por não ter os mesmos interesses, taxar esses interesses de “coisa de grã-fino” (sim, ainda usam esse termo) e achar que vivem em um universo dos “pobres legais”, ainda que tenham o mesmo salário que eu. E o pior é que vivem, mesmo: no universo da pobreza de espírito.
Fonte: http://ansiamente.wordpress.com/2012/05/10/a-arrogancia-segundo-os-mediocres/?goback=%2Egmp_4439178%2Egde_4439178_member_125920814

Enfim terminei a mudança para a favela nesse sábado. O que percebi foi uma curiosidade dos vizinhos e transeuntes, olhares atentos a todos os movimentos de carrega, sobe, desce, arruma, leva e traz. Alguns brincaram com o esforço em vão quando as panelas acabaram caindo da minha mão. “Está chovendo panela?” - brincou um senhor passando por mim.
Impressionante como ainda encontramos na sociedade lugares específicos para os diferentes gêneros, homens e mulheres. Obviamente que nas camadas populares isso não poderia ser diferente. Tanto no bairro popular, que residi por 8 meses na região metropolitana no Rio de Janeiro para a realização da pesquisa que culminou na minha dissertação de mestrado, quanto na favela escolhida para o trabalho de campo da tese de doutorado. Salões e bares imperam. Eu mesma frequentei um salão de beleza semanalmente para dialogar e entender o universo das mulheres locais.
Neste lugar de intimidade, o salão de beleza, lágrimas e gargalhadas estão presentes. As profissionais tornam-se amigas de suas clientes, há um gosto e um respeito pela relação estabelecida com regras de fidelidade e lealdade como qualquer relação de afeto. Ali, naquele lugar, a mulher se despe, fica feia pra ficar bonita, sofre para atingir a perfeição, pelos arrancados, puxões e ardidos são sentidos, tudo em prol do objetivo final: parecer mulher.
A busca por essa potencialização da beleza, através de unhas enormes, muito bem feitas e pintadas com cores vibrantes, assim como cabelos muito bem cuidados, pintados, longos, alisados, as peles sedosas e brilhantes, devido ao uso de cremes hidratantes, faz parte do figurino desta construção do corpo feminino, ou seja, são necessidades simbólicas que traduzem o que é ser mulher. As roupas, por sua vez, complementam esse ser feminino; flores, estampas, cores de mulher, como rosa e vermelho, além de toda gama de cores quentes, enfim, a mulher quer parecer mulher. Esse parecer mulher dessa forma é uma construção cultural em nossa sociedade.