quinta-feira, 26 de abril de 2012

Favela: um condomínio sem estatuto e com muitas regras implícitas

Postado por Hilaine Yaccoub - 25/04/2012
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Morar num espaço de favela tem algumas questões que só morando mesmo para entender. A princípio não há com quem reclamar... Se o vizinho fala alto e briga com os filhos e te atrapalha a ver novela ou Jornal Nacional, ou se rola briga entre marido e mulher, como se meter? Para quem interfonar? Se a coisa ficar violenta chamamos a polícia????

Se há uma infiltração é preciso muito tato para falar com o vizinho de cima, muitas vezes é melhor arcar com o prejuízo. Estabelecer boas relações com os vizinhos para garantir uma boa convivência é vital, seja na hora do aperto porque é ele que muitas vezes irá te salvar na hora de uma doença ou uma necessidade (um copo de açúcar, ou leite, ou ovos) ou na hora de estabelecer condutas e regras de convivência, que devem ser conversadas com muito jeitinho.

Uma vizinha me contou que morar no andar do meio de qualquer sobrado na favela é a pior coisa que existe. E eu acabo de alugar um, no segundo andar de um miniprédio de 3 andares (se posso dar essa classificação edilícia). Primeiro ela aponta que quem mora no último andar tem acesso às caixas d’água e ao terraço, espaço muito valorizado, a laje é espaço criado, este lugar serve de entretenimento e quintal, portanto, tem privilégios. Além disso, pode servir de base para a construção de um outro andar... E a favela assim se verticaliza.

Quem mora no andar térreo não precisa subir escadas, que normalmente são mal construídas e disformes, com degraus diferentes e estreitos, e por muitas vezes muito íngremes. Os moradores do térreo têm livre acesso à rua, podem colocar a cadeira na porta de casa, aproveitar o espaço da rua, que logo vira um quintal.
E quem mora no meio?
Quem mora no meio convive com os barulhos vindos de cima e debaixo. Tem moradores do andar de cima passando na porta da sua casa (subindo escadas) falando alto. As paredes são finas e dá para escutar tudo, conversas, um copo quebrando, os programas de TV em canais diferentes... E quando os filhos adolescentes do seu vizinho adoram um estilo musical, mas o mesmo gosto não é compartilhado por você? A solução é aguentar.
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A população brasileira como um todo está habituada a viver para dentro da casa, o espírito familiar é a nossa unidade de referência no mundo e não espirito de comunidade, independente de nível ou classe social. Não pense que as pessoas bem nascidas e abastadas conseguem viver em condomínio e prezam pelo bem de todos! Para isso há o estatuto do condomínio, as multas e o papel do síndico que fazem valer a sua autoridade sempre que necessário.

Da mesma forma que a noção de público e privado se misturam nas favelas, assim também ocorre na cidade regular, não se enganem! É uma questão que vai muito além da condição socioeconômica e sim da ordem da estrutura social dos indivíduos, valores e práticas que se aprende e se reproduzem a todo instante ao longo de nossas vidas. E, para conviver com elas, ou aceita e vive-se de acordo, ou aceita e vive-se de acordo.
Fonte: http://mundodomarketing.com.br/blogs/diario-das-classes-c-d-e-e