terça-feira, 9 de agosto de 2011

Discutindo a "nova classe média", os pobres realmente continuam sem vez

Ontem participei do evento Políticas Públicas para a Nova Classe Média organizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em Brasília, e a sensação foi a de FRUSTRAÇÃO.

Uma das mesas de debate trataria de valores e comportamentos desse novo grupo, que aliás, não concordo nenhum pouco com o termo "nova classe média"  o qual desconstruo na minha dissertação de mestrado, classe não se define por renda e acesso a bens duráveis de consumo, e isso é uma certeza ja ultrapassada e qualquer pesquisador sério sabe disso.

O jargão cunhado pelo economista Marcelo Neri da FGV Rio caiu como uma bomba, o termo foi sendo usado e reproduzido pela imprensa sem qualquer critério analítico, e foi legitimado ao longo do tempo, inclusive pela própria presidência. Essa tal "nova classe média" virou o legado do governo Lula e tem sido festejado como o grande avanço e reflexo de um bom governo... tenho lá as minhas dúvidas.

É calro que a existência deste grupo é indiscutível, e isso não é segredo, no entanto, o que incomoda é a classificação. O sociólogo Jesse Souza (UFJF) também discorda e prefere chamar de batalhadores. Eu prefiro chamar de classe popular emergente, ou estratos populares emergentes, acho mais coerente e menos comprometedor.

O evento de ontem convidou economistas, adminstradores, sociólogos para debater sobre essa tal nova classe média, para entender seus valores, perfis, identidades sociais, representações, mas isto passou longe. O que acabou acontecendo foi um debate sobre aqueles que não estavam sendo representados.

A tentativa de dar um tom mais humanista ficou a cargo do sócio-diretor do Instituto de Pesquisa Datapopular, Renato Meirelles que ficou mais preocupado em dar índices estatísticos sobre pesquisas de mercado realizadas e contas histórias pitorescas dos pesquisados do que desenvolver análises socioculturais que pudessem aportar mais e realmente refletir algo sobre esse novo grupo, aumentando assim o debate.

 Não que o participante tivesse o dever ou a capacidade de desenvolver qualquer fala mais analítica, uma vez que está longe  de sua alçada, o erro foi da organização do evento que não convidou um antropólogo sequer para contribuir com o debate, dando uma contribuição mais cultural (digamos assim). Ok, estou puxando brasa para minha sardinha....

Saudades da Dona Ruth Cardoso (ponto final)

Em breve um artigo que acabo de escrever será publicado na Revista Horizontes Antropológicos que terá como tema central a Cultura Material, o artigo intitulado A chamada “nova classe média”:Cultura Material, Inclusão e Distinção Social pretende levantar algumas considerações sobre o comportamento sociocultural deste grupo e a relevância do consumo (e isto inclui cultura material) para sua visibilidade na sociedade e representação indentitária. Acho que aportará mais para o debate.

Voltando ao assunto...

O evento foi muito bem organizado, mas pecou pela escolha dos participantes, pareciam um bando de tecnocratas tratando da vida daqueles que continuavam invisíveis sem qualquer representação digna e efetiva. Números e historinhas curiosas de pesquisas de mercado estão longe de refletir identidades e representações sociais, pelo menos, penso eu, não cabia em um evento tão solene.

Continuam assim, os tais ex-pobres invisíveis, sem rosto, sem cor, e ainda culpados, pelo número crescente de automóveis nas ruas e os engarrafamentos intermináveis, a emissão de poluição causada pelo aumento do número voos, o caos nos aeroportos, e todas as piores mazelas causadas pelo aumento do consumo.

Realmente pobre não tem vez.

por Hilaine Yaccoub