segunda-feira, 3 de novembro de 2008

antropologia x pesquisa de mercado

Um primeiro relato: A aplicação da etnografia no desenvolvimento da pesquisa de hábitos de consumo


Desde o primeiro dia em que me propuseram o trabalho de campo para analisar os hábitos de consumo de clientes de uma empresa privada tive a plena consciência que entrava em campo de atuação novo, pois desde as mais remotas lembranças nunca havia tido contato, nem lido nenhum artigo sobre qualquer pesquisa parecida com a que estava se estruturando ali, em minha frente.
Morar em uma comunidade popular durante 8 meses, em um bairro pobre de um município conhecidamente carente de todos os serviços públicos e privados, seria uma experiência ímpar para a realização de um trabalho complexo e árduo, mas que seu ineditismo, ao meu ver, chamava atenção para o novo, para o mistério, a curiosidade aguçada em colocar em prática o que tantos outros antropólogos já faziam, observar os “imponderáveis da vida cotidiana” como bem dizia Malinowski, captar o que nenhuma pesquisa quantitativa permitia, a tal da observação participante, só que desta vez, focada para outro objetivo: o consumo.

E como estudar consumo de outras pessoas? Perguntar simplesmente o que elas gostam ou consomem? O que é bem diferente, pois se pode gostar de um determinado produto e não ter dinheiro para adquiri-lo. Questões como essas a pesquisa quantitativa através de questionários poderia traçar perfis dos consumidores, mas como meu contratante era uma empresa de energia elétrica, tivemos que pensar em outra saída.

Saber o que os consumidores de energia elétrica pensam sobre seu consumo, onde vão para fazerem suas compras, o que valorizam na hora de comprar algo, como enxergam a empresa em questão, se estão satisfeitos com seus serviços, etc, eram alguns dos objetivos que norteavam a pesquisa. Assim, para entender essas e outras questões participei da vida cotidiana do bairro, uma casa foi alugada e mobiliada, participei do dia a dia do lugar, comprei nos mercados e lojas da redondeza, freqüentei bares e danceterias, estabeleci laços próximos, freqüentei casas de moradores, e somente dessa forma pude responder alguns pontos relacionados aos hábitos de consumo dos clientes e traçar um perfil do cliente que atendesse as expectativas prévias.
A experiência foi um exemplo de como quebrar paradigmas no que se refere ao lugar do antropólogo no mercado de trabalho, onde sua atuação pode ser muito mais plural e diversa do que se imaginava tempos atrás, onde sua pesquisa restringia-se a alguns poucos campos temáticos como aponta Lívia Barbosa quando fala do número elevado de produções acadêmicas sobre “seringueiros, quilombolas, favelados, presidiários, trabalhadores urbanos e tantos outros grupos”.
A autora, ao argumentar sobre o lugar do antropólogo dentro do mercado, atuando como consultores dentro de empresas afirma que os acadêmicos se restringiam aos chamados grandes temas, que para ela indicava que “a realidade dos “despossuídos” estava e está investida de uma legitimidade que não se estende ao estudo do grupo no topo da pirâmide social"
Enfim, além do resultado, e a aplicabilidade de uma ferramenta antropológica a pesquisa de mercado, tratou sobretudo em usar a experiência como um pretexto para uma reflexão sobre esta demanda crescente do mercado em relação ao saber antropológico que, de certa forma, passa a constituir um bem simbólico e um recurso estratégico que confere legitimidade e distinção às empresas que o utilizam.
Seria o antropólogo, dotado de uma espécie de “poderes”, que consegue desvendar as mais sutilezas vontades e desejos não revelados de um mercado ávido por consumir?
Acessem o site: www.saude.com.br
e Leiam na íntegra a entrevista dada sobre o projeto desenvolvido em 2008 em uma empresa privada do setor elétrico.