segunda-feira, 3 de novembro de 2008

antropologia x pesquisa de mercado II

Um segundo relato: uma nova área de atuação para o antropólogo?

A experiência do Projeto de Imersão Social foi um exemplo de como o uso da pesquisa etnográfica em todo o seu contexto pode ser relevante e aplicável a pesquisa de mercado.

Estudos de comportamentos de consumo, avaliação de impacto de produtos ou serviços, bem como perceber como a própria imagem da empresa está sendo recebida, além de possibilidades para novos negócios (serviços e produtos), são algumas das questões que podem facilmente serem desenvolvidas a partir de um trabalho de campo realizado com essa finalidade.

Tal como nas pesquisas acadêmicas, o campo pode trazer surpresas e modificar objetivos e hipóteses. O pesquisador em ambos os casos deve se mostrar atento e flexível para uma modificação da forma de abordagem e atuação, assim, o método é revisto e refeito muitas vezes em alguns momentos da pesquisa. Se há possibilidade de haver uma pesquisa quantitativa atrelado ao campo, é preferível muitas vezes, pois os dados acabam por direcionar e avaliar se estamos no caminho certo.

Além de trabalhos acadêmicos, observa-se hoje uma tendência das empresas utilizarem ferramentas da antropologia para elaborar estratégias de segmentação de mercado, bem como traçar perfil de consumo, ou elaborar novos produtos e melhorar os serviços e relacionamentos com seus clientes entre outras abordagens. Assim, a pesquisa ganha peso estratégico dentro da empresa, atuando muitas vezes com a área de Pesquisa de Desenvolvimento – P&D, ou então é desenhada junto à área de estratégia de marketing, por ser dotado de riqueza de dados primários coletados e que poderão ser aprofundados e desenvolvidos em outras formas de pesquisa, como a quantitativa, na forma de telemarketing ativo, passivo ou mesmo através de questionários entre outros.

O antropólogo Pedro Jaime Júnior em seu estudo sobre o que ele denomina de “etnomarketing[1]” afirma que “à medida que as dimensões culturais e simbólicas foram ganhando importância cada vez maior na explicação do comportamento do consumidor, os departamentos de marketing das empresas, os institutos de pesquisa de mercado e as agências de publicidade passaram a recorrer ao aporte antropológico” para isso, as empresas abrem espaço para os profissionais das ciências sociais contribuírem com suas percepções e técnicas investigativas para que eles possam traduzir para o mundo corporativo as informações sócio-culturais que tanto necessitam a fim de desenvolver produtos e serviços que melhor atendam aos seus clientes.

Em uma matéria do Jornal O Estado de São Paulo de 11 de agosto de 2006 sobre novas formas de pesquisa de mercado, a antropóloga Paula Pinto e Silva, sócia de uma empresa da área, que tem como um de seus clientes a Procter & Gamble, enriquece a entrevista contando como realiza algumas de suas pesquisas, e afirma que "Virou moda contratar antropólogos para fazer pesquisas etnográficas, onde o campo é a casa do consumidor", diz. A matéria aponta que esse tipo de pesquisa ganhou força no início de 2000, e que as empresas recorreram aos antropólogos para que esses “descobrissem” os hábitos das classes C e D, que passou a ser o grande filão de muitas empresas.

Na mesma matéria, o artigo cita a empresa BOX 1824, que afirma ter trazido para o Brasil uma nova metodologia, chamada por um dos criadores da empresa, Rony Rodrigues de “invasão de cenários” que permite que possa eliminar um vício das pesquisas clássicas de mercado, onde o consumidor diante da situação de pesquisa acaba modificando o resultado. Ou seja, a “observação participante” já tão conhecida por pesquisadores antropólogos foi “re-descoberta” por marketeiros e pesquisadores de mercado.

Talvez por ser uma pesquisa longa e trabalhosa, que sem dúvida, compromete o próprio pesquisador, seja um grande problema para sua aplicabilidade; No entanto, algumas pesquisas com esse know-how têm sido desenvolvidas, levando menos tempo e tendo maior distanciamento, como pesquisas realizadas em corredores de supermercados[2], onde o pesquisador permanece observando os consumidores, suas reações, a forma como pegam os produtos em suas prateleiras. Assim como outros que freqüentam salões de beleza e percebem como determinados produtos são recebidos pelas freqüentadoras.

Em uma notícia da Associação Brasileira de Vendas Diretas, o presidente Rodolfo Guttilla, aponta que hoje o antropólogo é um dos profissionais mais bem aparelhados para revelar os hábitos do consumidor e diz:

Porque o que se entende por hábitos não é mais que mecanismos ideológicos que operam do simbólico para o material ou de uma marca para um produto. São as reações que vão além de fatores objetivos, que trabalham muito a sensação, a fruição, a de prazer, o acesso. E são atributos que se constroem culturalmente, e não estatisticamente”

E continua:

“... apesar da academia torcer o nariz, a metodologia utilizada pelos “antropólogos do consumo” tem como base a etnografia, que começou a ser aplicada no início do século XX, que consiste em acompanhar uma determinada comunidade por um período para conseguir entender a sua visão de mundo e com base em seus próprios valores, e não com a visão da sociedade da qual faz parte o observador.”

Nesta entrevista o que fica claro é a nova tendência que tem sido um campo crescente para atuação do profissional antropólogo fora dos meios acadêmicos, onde suas percepções, observações tem um filtro pré-determinado, e uma aplicabilidade prática com uma finalidade mercadológica.

Em seu livro Igualdade e Meritocracia (2003) a antropóloga Lívia Barbosa dedica parte de seu trabalho em conjecturar a atuação e o lugar da profissão do antropólogo, fora e dentro da academia. Ela afirma que o papel do antropólogo desde sua mais tradicional atuação foi permeada de oportunidades fora da academia, seja em agências governamentais, ou instituições sem fins lucrativos. A autora faz um histórico do profissional da antropologia em variados meios, apontando como a antropologia foi utilizada como fonte de renda para diferentes grupos e atores.
Uma importante contribuição da autora é quanto a questão do cuidado que se deve ter quanto a banalização do conceito de cultura e pesquisa etnográfica. O pesquisador, seja antropólogo ou de outra área (como os da área de marketing) devem ter o cuidado na realização da pesquisa etnográfica para não cair no erro de fazer apenas uma descrição detalhada. No campo da antropologia, dados são reconhecidamente vazios se não são acompanhados de uma análise teórica adequada.
Assim, a antropóloga aponta que “a produção teórica encolheu com a vulgarização. Grandes descrições foram equiparadas a etnografias, e estas a observações participantes, que nunca foram mais do que grandes relatos...” (pág 177).

Dessa forma, não basta colher uma infinidade de dados fazendo descrições densas, se não houver um entendimento claro e contextualização teórica do que os dados estão se tratando, a pesquisa é vazia e obscura. Assim, o antropólogo atua dentro desse campo com maior destreza, pois sabe que o dado puro e simples não justifica nem apreende por si só. Seu background teórico é necessário para utilizar de forma adequada os métodos de pesquisa e avaliar os resultados posteriores.

[1] JAIME, Pedro Júnior. Etnomarketing:antropologia, cultura e consumo. Revista de Administração de Empresas. C.41, n.4, p 68-77. São Paulo. Out/ Dez 2001.
[2] Idem nota 12,