Laura Graziela Gomes (PPGA/UFF) Imagine você fazendo parte de um grupo de brasileiros de classe média
em uma excursão a New York, indo passear numa loja de departamento linda
e cara (não estou me referindo aquelas mais "populares"). O objetivo é
apenas conhecer este famoso templo do consumo nova-iorquino, um lugar
frequentado por pessoas ricas, celebridades, enfim gente muito fina, dar
uma voltinha, tirar fotos para postar no facebook, instagram e, se
possível dar de cara com alguma promoção, quem sabe, uma meia, gravata,
lenço, qualquer coisa que possa comprar e ganhar como troféu aquela
embalagem maravilhosa com a qual provará aos amigos quando retornar de
viagem, que lá esteve e, portanto, pode ser considerada uma pessoa
"civilizada".
Agora, imagine você e seu grupo tendo a entrada barrada
por algum motivo que sequer lhes será comunicado. Passaria por sua
cabeça e a dos demais aceitarem o que aconteceu como uma fatalidade e
saírem docilmente com o rabinho entre as pernas? Nada disso, não é
mesmo? Imediatamente, o episódio seria estampado nos jornais
brasileiros, nas redes de televisão, redes sociais com acusações de
racismo, preconceito etc.
Nós outros ficaríamos indignados em
solidariedade a vocês, nossos compatriotas, exigindo providências das
autoridades diplomáticas brasileiras, invocando liberdades civis,
direitos de ir e vir, reciprocidade, e ahhhhh como ia me esquecer disso?
invocaríamos sem piedade os famigerados direitos humanos! No meio da
confusão, passaria pela sua cabeça ou de alguém mais do grupo, que os
administradores da loja de departamento pudessem estar operando com a
mesma lógica dos administradores e seguranças de nossos shopping centers
em relação aos jovens do rolezinho? Ora, você dirá, mas isso é um
absurdo, ou melhor uma provocação! Imagine, eu ser comparada/o com um
marginal da periferia! Essa mulher é uma louca! Engano seu meu querido
ou minha linda. Seu cabelo não nega, sua bunda idem e o tom da sua voz
também, bem como outros sinais de seu corpo e aparência que poderão
trair suas origens "latinas" e sociais, por mais maquiagem, tintura nos
cabelos, corte, escova, perfume e roupas de marca que usar.
Aliás,
poucos brasileiros mesmo de classe média passariam numa inspeção
eugênica rigorosa, feita a partir de critérios wasp (white american
saxon people), diga-se de passagem. Dito isso, afinal, sob quais
alegações teríamos o direito de invadir uma das lojas de departamento
mais exclusivas de New York para desgosto de seus vic (very important
clients)?
A pensar pelas mesmas categorias de alguns jornalistas, nós
seríamos percebidos a partir de atributos muito semelhantes àqueles que
foram usados contra os jovens do rolezinho: somos mestiços, e ainda
vistos como habitantes da periferia do mundo, pobres, atrasados, apesar
de eventualmente termos algum dinheiro para gastar com bobagens. Em
suma, uns "bárbaros".
Você não precisa ser um antropólogo, mas vez
por outra pode se colocar no lugar do outro, ou então, imaginar uma
situação em que você é o outro, sacou? (*) O título foi dado como
referência e homenagem ao livro de Roberto Kant de Lima, antropólogo
brasileiro, escrito a partir de sua experiência em Harvard como
estudante de doutorado "brasileiro". Ao ler as matérias sobre os
rolezinhos, o livro me veio a mente por inteiro. Deveria ser lido
obrigatoriamente em todas as faculdades de jornalismo do país.
Sobre a autora profa dra Laura Graziela Gomes, professora adjunta da Universidade Federal Fluminense, coordenadora do Núcleo de Estudos da Modernidade NEMO. Pesquisadora do campo da Antropologia do Consumo, autora de livros e artigos acadêmicos na área.