sábado, 21 de julho de 2012

Estabelecidos x ousiders: cariocas x conterrâneos

Nordestinos se divertem no local com seus filhos         favela,classe c,carioca,diário


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favela,classe c,carioca,diário     Cariocas e o pagode de mesa


Interessante perceber como existem classificações e disputas dentro de um mesmo grupo e/ou comunidade. No caso da favela em que estou morando uma rixa é clara, entre os estabelecidos, cariocas que são locais desde a gênese da favela, e os outsiders, moradores que chegaram na área posteriormente oriundos do nordeste, chamados de conterrâneos pelos locais.
Essa diferenciação e disputa local não são claras logo no primeiro contato. É preciso a convivência diária, ouvir os vizinhos e suas reclamações; é preciso estar lá para perceber essas questões que estão dentro do campo tácito.
Os chamados “conterrâneos” são culpados de tudo, são acusados por terem aumentado demasiadamente as construções e verticalizado a favela, acarretando problemas de insalubridade por falta de sol e de acesso à água e esgoto, que não suporta tamanho crescimento. Além de tudo, são acusados de não se misturarem, de serem individualistas por apenas pensarem em benefício próprio ou sectaristas; se envolvem por problemas que sejam comuns ao seu grupo, ou seja, de conterrâneos que primam pelos mesmos objetivos, valores, vivências. E, para piorar, são acusados de terem destruído na favela o sentimento de família e comunidade numa época remota e nostálgica em que todos conheciam as famílias dos outros, ancestrais, descendentes, todos unidos, partilhando tudo, festas, comida, diversão e sofrimento.
Por outro lado, esses nordestinos são extremamente focados, empreendedores, “raçudos” mesmo. A maior parte do comércio local está nas mãos deles, têm um sorriso solto, são mais desconfiados sim, mas uma vez entrando em seu círculo de confiança, pronto, você os ganhou. E pode contar com eles para tudo, para ajudar na mudança e carregar peso, fazer uma faxina, ou então sentar num bar e comer até se fartar. São extremamente cuidadosos com os filhos, que são proibidos de andar sozinhos pela favela, os pais levam e buscam na escola, lutam por uma boa educação. É como se estivessem dentro do universo da favela, usufruíssem dele, mas não fizessem parte dele. Não se envolvem em campanhas, não se misturam em dias festivos, não partilham nada, nem positiva nem negativamente.
Até mesmo nos momentos de lazer essa separação é evidente: de um lado da praça o samba come solto, os cariocas (grande parte negra) sambam, se divertem, cantam, paqueram... Enfim, aquele pagodão de mesa bem característico do Rio de Janeiro. Do outro lado da praça, mais próximo aos brinquedos infantis, encontram-se os nordestinos, sentados à mesa com suas famílias, vigiando as crianças que brincam nos aparelhos montados (balanço, pula pula, etc) e ficam ali, comendo, conversando ao som do sertanejo universitário e forró (de uns cantores que não conhecemos, mas que fazem parte de um circuito Norte/Nordeste). Quase não há negros no grupo dos nordestinos, mas sim muitos “cabeças-chatas” como eles mesmos se autodenominam.
É notório que os nordestinos têm um compromisso e uma fome de vencer, de sair da mesmice, são extremamente empreendedores e levam o trabalho tão a sério que muitas vezes são motivos de chacota na favela, como se não se divertissem. Suas casas são em sua maioria bem cuidadas, e abrigam muitas outras famílias. É muito comum que na favela os familiares, parentes e conhecidos passem um tempo nas casas dos nordestinos já estabelecidos até se fazerem no Rio. Uma vez, um morador (carioca) me disse “O problema daqui são os conterrâneos, eles são igual aquele filme, em que jogava água no bichinho e quando vê já tem uma dezena deles!” (fazendo alusão aos “Gremilins”).

Morar e viver na favela é fazer parte de tudo isso: conflitos, disputas e classificações. É aí que está a magia do fazer antropológico, perceber e partilhar desse contexto todo, interagindo e observando esses modos de ser, usar, consumir.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Os usos dos espaços: Festa do Beco

A favela em que resido e faço pesquisa no momento tem um problema sério de falta de espaço. O adensamento e a verticalização das casas é uma realidade e as ruelas e becos se transformam em centros de lazer e entretenimentos locais.
Essa semana pude participar de um churrasco em pleno beco. Sim, tudo muito improvisado; desde a iluminação pública – praticamente inexistente, dependendo de um arranjo técnico local – à churrasqueira, passando pelas cadeiras e mesas, tudo arranjado, adaptado ao contexto e situação local. Isso tudo sem esquecer a maior dificuldade já mencionada: a falta de espaço, lembra?
Sim, foi divertido. Ficamos horas e horas batendo papo, com risadas e fumaça na porta dos vizinhos que não estavam participando e não tinham direito de reclamar do barulho ou do cheiro, pois, afinal de contas, “a rua é pública”, como disse uma nova interlocutora percebendo meu estranhamento e incômodo. Eu, particularmente, não gosto de ficar incomodando os outros, não conseguiria me divertir em paz, mas eu, particularmente, sou assim; muitas vezes penso mais nos outros do que em mim. Só que ali o contexto era outro, diversão nunca pode ser criticada se feita de forma familiar e saudável (segundo meus novos amigos).
Todos sabiam da minha pesquisa e ficavam me apresentando em tom jocoso a forma de se divertir e conviver... O convite aceito imediatamente por mim foi festejado! Dividir minhas experiências de pesquisas anteriores tomou conta da conversa naquela noite.
No cardápio linguiça, drumet de frango (asinha e coxinha da asa), pão com maionese e alho, e pratinho de arroz e macarrão temperados. Cerveja gelada dava o tom festivo da ocasião. Crianças brincando com bicicletas e bolas estavam presentes e faziam o clima mais alegre com suas risadas e intervenções criativas.
Durante o churrasco no beco passavam moradores chegando do trabalho, alguns vinham de outras festas e happy hours, passavam também traficantes com armas, com bolos de dinheiro ou sacos de drogas nas mãos. Eles nos cumprimentaram, assim que passaram pela gente, e um convite para uma festa de aniversário de um dos gerentes da boca foi feito e aceito por todos na hora. Fiquei empolgada.
Infelizmente acabei não indo, faltou companhia, local confiável para o evento e, decididamente, eu não poderia ir sozinha. Apesar da minha ansiedade em participar e ver de perto como ocorre tal comemoração tão inusitada para mim – aniversário do traficante em praça pública não é todo dia que a gente tem condições e possibilidade de participar.
Ficou para outro dia.
Marcamos outros encontros, dessa vez em um dos bares mais comentados da favela, onde nordestinos servem um famoso gurjão de peixe, confesso que estou ansiosa. O trabalho de campo corre bem, tem sido muito bem aceito pelos moradores da favela que se sentem empolgados em mostrar para mim o lado bom de viver em comunidade, que, apesar das diferenças e gravidade, encontram nos becos e ruelas a alegria de partilhar e compartilhar comida, risada e muita diversão.
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