quarta-feira, 27 de junho de 2012

A arrogância segundo os medíocres

 




“Adorei o seu sapato”, disse uma amiga para mim certa vez.
“Legal, né? Eu comprei em uma feira de artesanato na Colômbia, achei super legal também”, eu respondi, de fato empolgada porque eu também adorava o sapato. Foi o suficiente para causar reticências quase visíveis nela e no namorado e, se não fosse chato demais, eles teriam dado uma risadinha e rolariam os olhos um para o outro, como quem diz “que metida”. Mas para meia-entendedora que sou, o “ah…” que ela respondeu bastou.
Incrível é que posso afirmar com toda convicção que, se tivesse comprado aquele sapato em um camelô da 25 de março, eu responderia com a mesma empolgação “Legal, né? Achei lá na 25!”. Só que aí sim eu teria uma reação positiva, porque comprar na 25 “pode”.
Experiências como essa fazem com que eu mantenha minhas viagens em 13 países, minha fluência em francês e meus conhecimentos sobre temas do meu interesse (linguística, mitologia, gastronomia etc) praticamente para mim mesma e, em doses homeopáticas, comente entre meu restrito círculo familiar e de amigos (aquele que a gente conta nos dedos das mãos).
Essa censura intelectual me deixa irritada. Isso porque a mediocridade faz com que muitos torçam o nariz para tudo aquilo que não conhecem, mas que socialmente é considerado algo de um nível de cultura e poder aquisitivo superior. E assim você vira um arrogante. Te repudiam pelo simples fato de você mencionar algo que tem uma tarja invisível de “coisa de gente fresca”.
Não importa que ele pague R$ 30 mil em um carro zero, enquanto você dirige um carro de mais 15 anos e viaja durante um mês a cada dois anos para o exterior gastando R$ 5 mil (dinheiro que você, que não quer um carro zero, juntou com o seu trabalho enquanto ele pagava parcelas de mil reais ao mês). Não importa que você conheça uma palavra em outra língua que expressa muito melhor o que você quer falar. Você não pode mencioná-la de jeito nenhum! Mas ele escreve errado o português, troca “c” por “ç”, “s” por “z” e tudo bem.
Não pode falar que não gosta de novela ou de Big Brother, senão você é chato. Não pode fazer referência a livro nenhum, ou falar que foi em um concerto de música clássica, ou você é esnobe. Não ouso sequer mencionar meus amigos estrangeiros, correndo o risco de apedrejamento.
Pagar R$200 em uma aula de francês não pode. Mas pagar mais em uma academia, sem problemas. Se eu como aspargos e queijo brie, sou “chique”. Mas se gasto os mesmos R$ 20 (que compra os dois ingredientes citados) em um lanche do Mc Donald’s, aí tudo bem. Se desembolso R$100 em uma roupa ou acessório que gosto muito, sou uma riquinha consumista. Mas gastar R$100 no salão de cabeleireiro do bairro pra ter alguém refazendo sua chapinha é considerado normal. Gastar de R$30 a R$50 em vinho (seco, ainda por cima) é um absurdo. Mas R$80 em um abadá, ou em cerveja ruim na balada, ou em uma festa open bar… Tranquilo!
Meu ponto é que as pessoas que mais exercem essa censura intelectual têm acesso às mesmas coisas que eu, mas escolhem outro estilo de vida. Que pode ser até mais caro do que o meu, mas que não tem a pecha de coisa de gente arrogante.
O dicionário Aulete define a palavra “arrogância” da seguinte forma:
1. Ação ou resultado de atribui a si mesmo prerrogativa(s), direito(s), qualidade(s) etc.
2. Qualidade de arrogante, de quem se pretende superior ou melhor e o manifesta em atitudes de desprezo aos outros, de empáfia, de insolência etc.
3. Atitude, comportamento prepotente de quem se considera superior em relação aos outros; INSOLÊNCIA: “…e atirou-lhe com arrogância o troco sobre o balcão.” (José de Alencar, A viuvinha))
4. Ação desrespeitosa, que revela empáfia, insolência, desrespeito: Suas arrogâncias ultrapassam todo limite.
Pois bem. Ser arrogante é, então, atribuir-se qualidades que fazem com que você se ache superior aos outros. Mas a grande questão é que em nenhum momento coloco que meus interesses por línguas estrangeiras, viagens, design, gastronomia e cultura alternativa são mais relevantes do que outros. Ou pior: que me fazem alguém melhor que os outros. São os outros que se colocam abaixo de mim por não ter os mesmos interesses, taxar esses interesses de “coisa de grã-fino” (sim, ainda usam esse termo) e achar que vivem em um universo dos “pobres legais”, ainda que tenham o mesmo salário que eu. E o pior é que vivem, mesmo: no universo da pobreza de espírito.

Fonte: http://ansiamente.wordpress.com/2012/05/10/a-arrogancia-segundo-os-mediocres/?goback=%2Egmp_4439178%2Egde_4439178_member_125920814

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O último beijo.

"Muitas vezes o paraíso e o inferno são o mesmo lugar.
Maridos que já acompanharam suas esposas em lojas de cosméticos sabem do que estou falando. Enquanto para elas é um paraíso experimentar todas as paletas de cores possíveis de batons Mac ou Shu Uemura, para eles é o inferno com ar condicionado.
Isso até o momento em que eles descobrem o preço de cada batom desses.
Nessa hora, se dão conta que o inferno tem sim subsolo e que tem um lugar reservado para eles perto do banheiro. Onde, por acaso, o ar condicionado quebrou.
Aí entramos na eterna discussão do que é supérfluo e do que é essencial.
Um conflito que nasce da percepção que cada um tem do mundo e do valor intrínseco das coisas. O delicado terreno do intangível.
O que é supérfluo para você pode ser essencial para mim.
Ou como já disse Oscar Wilde: dê-me o supérfluo que eu abro mão do essencial.
Quantas vezes já não vimos maridos criticando suas esposas por gostarem de novela? Não entendem porque elas acompanham fervorosamente, rindo, chorando, torcendo pela mocinha a cada capítulo.
E esses mesmos maridos não gritam, choram e acompanham fervorosamente as partidas de futebol de seus times pela TV?
Não é no fundo a mesma coisa?
O futebol não é a novela dos homens?
E a novela é não é o futebol das mulheres?
Entendam aqui que estou sendo propositalmente maniqueísta no exemplo acima, só a título de ilustração.
Mas… e o batom?
Assim como todos os outros aparatos da indústria cosmética e da moda, não são objetos de culto ao supérfluo, ao superficial, a frivolidade, a aparência?
Vou deixar a resposta a essa pergunta, ironicamente, para um militar: o Tenente-Coronel Mervin Willett Gonin.
Um herói da 2ª Guerra Mundial, que estava entre os primeiros soldados britânicos que em abril de 1945 libertaram os prisioneiros de Bergen-Belsen, um dos mais cruéis campos de extermínio nazista.
Reproduzo alguns trechos de seu diário, tentando ser o mais fiel possível ao contexto de seu relato.
“Não consigo dar nenhuma descrição adequada do campo de horror no qual os meus homens e eu tínhamos de passar o próximo mês das nossas vidas.
Corpos jaziam por todo o lado, alguns em montes enormes, algumas vezes jaziam sozinhos ou em pares onde tinham caído. Demorou algum tempo para se habituar a ver homens, mulheres e crianças a desfalecer enquanto passavam por eles e resistir ao impulso de ir ao seu auxílio.
Cada pessoa tinha de se habituar à ideia que um indivíduo não contava. Todos sabíamos que estavam morrendo quinhentas pessoas por dia e que outras quinhentas pessoas por dia iam morrer durante semanas até que algo que nós tivéssemos feito começasse a surtir o mínimo efeito.
Era, muito difícil ver uma criança asfixiando com difteria quando sabíamos que uma traqueotomia e alguns cuidados básicos estavam a caminho para salvar. Homens comendo vermes enquanto agarravam um pedaço de pão unicamente porque eles tinham de comer vermes para sobreviver e naquele momento pouca diferença sentiam. Uma mulher completamente nua lavava-se com sabão e com a água de um tanque onde os restos mortais de uma criança flutuavam.
Foi pouco tempo depois da vinda da Cruz Vermelha Britânica , embora possa não haver ligação, que uma grande quantidade de batom chegou. Isto não era nada do que nós homens queríamos, estávamos clamando por centenas e milhares de outras coisas e não sabíamos quem tinha pedido batom.
Só queria descobrir quem foi que o fez, foi uma ação de gênio, brilhantismo puro e inalterado. Creio que nada fez mais por estas prisioneiras que o batom. Mulheres jaziam nas camas sem lençóis ou camisolas mas com lábios escarlates. Víamos algumas mulheres vagando com nada mais que uma manta nos ombros, mas com lábios vermelho escarlate.
Vi uma mulher morta na mesa de autópsia que ainda agarrava o batom com as mãos. Finalmente alguém fez algo para tornar pessoas indivíduos novamente, elas eram alguém, não mais somente o número de identificação tatuado no braço. Finalmente elas podiam ter algum interesse na sua aparência.
Aquele batom começou a devolver-lhes a sua humanidade.”

Fonte: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/blog-do-management/2012/06/20/o-ultimo-beijo/

domingo, 10 de junho de 2012

Mudando para a favela: Vai um “gato” aí?


 

Postado por Hilaine Yaccoub - 05/06/2012
favela,gato,diário,hilaine,blog Enfim terminei a mudança para a favela nesse sábado. O que percebi foi uma curiosidade dos vizinhos e transeuntes, olhares atentos a todos os movimentos de carrega, sobe, desce, arruma, leva e traz. Alguns brincaram com o esforço em vão quando as panelas acabaram caindo da minha mão. “Está chovendo panela?” - brincou um senhor passando por mim.

Outro, o vizinho da frente, um português ainda com sotaque carregado, apesar dos seus 50 anos de Brasil, sendo 42 deles vividos na favela, chamou a minha atenção para o carro parado na frente da nova residência: “Olha, é melhor vocês tirarem logo esse carro, porque os meninos lá não vão gostar nada disso”. Leia-se meninos = traficantes locais.

Mais que depressa abro a mala do carro para mostrar o botijão de gás dentro. Serviços de entrega??? Não conhecia e os meus contatos da localidade também não. Lá fomos nós, eu e meu parceiro de pesquisa carregar escada acima aquele peso todo.

Arrumada a casa, itens em ordem, primeiras compras (suprimentos) devidamente armazenados, lá fomos nós descobrir como instalar os serviços. Na pequena favela (cerca de 22 mil habitantes), existem duas lojas de construção que são referência para todos os tipos de serviços. Ao entrar em uma delas perguntamos sobre o valor da antena de TV, afinal de contas, ficar sem televisão nesse momento não dá. O papo principal do salão, dos vizinhos está relacionado com a novela, com o fantástico etc. Chegando à loja, papo vai, papo vem, comento com o proprietário, um senhor de meia idade muito atencioso e solícito, que logo percebeu que eu era um peixe fora d´água, que gostaria mesmo era de uma TV a cabo (na verdade eu queria testar a resposta).

Mais que depressa ele nos disse: “Ah, mas vocês tão querendo os gatos todos?!” - fiquei curiosa, “gatos todos”? O que seria?

Logicamente que insisti, ri um pouco e perguntei de forma solta e engraçada, “gatos todos? Como é isso?”. Ele mais que depressa perguntou meu endereço e disse que o Roger é quem cuida da minha área e, detalhe, era com ele eu trataria dos “gatos” de internet, de TV, de luz etc. “O Roger é o cara!”, pensei.

Agora me encontro à espera do famoso “profissional” responsável pela minha área, para resolver todos os problemas da minha vida. Fácil assim... tudo com a mesma pessoa, sem precisar ligar, esperar, explicar, ser transferida para outro atendente, e outro, e outro, explicar tudo novamente, anotar protocolo, agendar visita, ficar presa o dia todo esperando o técnico, torcer para a conta e o pacote não virem errados. É, realmente, morar e viver na favela tem, sim, pontos positivos e esse com certeza é um deles. E viva o Roger!
Fonte: http://mundodomarketing.com.br/blogs/diario-das-classes-c-d-e-e

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O salão de beleza é o boteco das mulheres

O salão de beleza é o boteco das mulheres

Postado por Hilaine Yaccoub - 01/06/2012
O salão de beleza é o boteco das mulheresImpressionante como ainda encontramos na sociedade lugares específicos para os diferentes gêneros, homens e mulheres. Obviamente que nas camadas populares isso não poderia ser diferente. Tanto no bairro popular, que residi por 8 meses na região metropolitana no Rio de Janeiro para a realização da pesquisa que culminou na minha dissertação de mestrado, quanto na favela escolhida para o trabalho de campo da tese de doutorado. Salões e bares imperam. Eu mesma frequentei um salão de beleza semanalmente para dialogar e entender o universo das mulheres locais.

Interessante observar que há tantos salões quanto bares, e estes são bastante movimentados quintas, sextas e sábados. Ou as mulheres se arrumam para curtir (lindas) o fim de semana, ou só tem esses dias para se prepararem para a semana de trabalho seguinte. Afinal de contas, elas precisam estar impecáveis tanto para o lazer quanto para o trabalho. E essa é uma norma inquestionável.

No salão elas estabelecem vínculos, conversam e desabafam. É a famosa “conversa de salão” - nome de um programa de TV da GNT inclusive - que ocorre e acaba sendo uma válvula de escape; cuidam da aparência, da beleza e cumprem a “sua obrigação”, porque, para elas, cuidar da aparência é uma obrigação e não uma simples escolha ou opção. Essa proximidade faz com que ocorram conversas íntimas como em consultórios de psicólogos. Não existe a psicologia de bar? Pois é, existe também a psicologia de salão.

O salão de beleza é o boteco das mulheresNeste lugar de intimidade, o salão de beleza, lágrimas e gargalhadas estão presentes. As profissionais tornam-se amigas de suas clientes, há um gosto e um respeito pela relação estabelecida com regras de fidelidade e lealdade como qualquer relação de afeto. Ali, naquele lugar, a mulher se despe, fica feia pra ficar bonita, sofre para atingir a perfeição, pelos arrancados, puxões e ardidos são sentidos, tudo em prol do objetivo final: parecer mulher.

As camadas populares veem nos cuidados da aparência além do embelezamento supérfluo. Existe uma linha muito tênue entre a busca da beleza, a potencialização da feminilidade e o compromisso com a política da boa aparência (“eu sou pobre, mas sou limpinho”).

A pobreza diretamente ligada à limpeza é uma máxima que persiste e que está no inconsciente coletivo. Além da limpeza doméstica com uso de produtos de primeira linha estar bem apresentado, ter roupa pra sair, ter perfume certo para cada ocasião, usar a melhor maquiagem e o melhor sapato quando se está em público é uma constante que vem se reproduzindo a várias gerações. Essa forma de usar produtos, vestuário, de se estabelecer regras para seus usos, são desenvolvidos, reproduzidos e ensinados, aos filhos, aos parentes, aos amigos, aos vizinhos.

O salão de beleza é o boteco das mulheresA busca por essa potencialização da beleza, através de unhas enormes, muito bem feitas e pintadas com cores vibrantes, assim como cabelos muito bem cuidados, pintados, longos, alisados, as peles sedosas e brilhantes, devido ao uso de cremes hidratantes, faz parte do figurino desta construção do corpo feminino, ou seja, são necessidades simbólicas que traduzem o que é ser mulher. As roupas, por sua vez, complementam esse ser feminino; flores, estampas, cores de mulher, como rosa e vermelho, além de toda gama de cores quentes, enfim, a mulher quer parecer mulher. Esse parecer mulher dessa forma é uma construção cultural em nossa sociedade.

Essa busca por ser e parecer mulher me faz parar para pensar um pouco sobre o esforço que é para conquistar e manter este status em nossa sociedade. Há uma famosa frase da Simone de Bevoir, muito utilizada pela antropóloga Mirian Goldenberg, minha professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que traduz e revela que ser mulher é uma construção cultural e não natural. “Não se nasce mulher, torna-se mulher.”

De fato, o sexo está entre as pernas e o gênero está entre as orelhas. Nossas experiências vividas, aprendidas e reproduzidas nos dizem ser quem somos, nos classificam e junto delas vêm as obrigações relacionadas a cada grupo. Pra ser mulher, portanto é preciso muito mais do que nascer mulher em nossa sociedade.
Fonte: http://mundodomarketing.com.br/blogs/diario-das-classes-c-d-e-e