sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Matédia do Jornal O DIA - 11/08/2010


Hilaine Yaccoub: 'Gato' é um negócio



o
Rio - Após pesquisa de oito meses em um bairro de São Gonçalo (RJ), onde residi para estudar os motivos que levam as pessoas a optarem pelo “gato” de energia elétrica verifiquei que há um sistema organizado no mercado paralelo.
Os “gateiros” são empregados da concessionária que atuam de forma paralela, com tabela de preços, estratégias de captação de clientes e estrutura de negócio. A tabela é fixada de acordo com o porte do cliente e tecnologia usada: R$ 50 para os de baixa renda e R$ 500 para os ricos. Nas localidades onde foi instalado chip, a tarifa é fixa em R$ 150.
A política de terceirização dos serviços acabou se mostrando a principal aliada dos usuários; esses encontram no profissional terceirizado um alimentador do “gato”. A opção por esse mercado vem das condições de trabalho: mal-remunerados, desvalorizados e, muitas vezes, sabendo que a empresa não cumpre seu papel, conseguem dessa forma melhorar seus rendimentos e garantir a energia àqueles que os contratam.
Outra surpresa foi a prática dos “gatos” por uma elite local que tem condições de pagar suas altas contas. Alguns possuem bens caros, como carros de luxo, casas próprias e fazem viagens nacionais e internacionais. Devido ao aumento da renda, à política de juros baixos e aos financiamentos facilitados, os “novos consumidores” obtiveram mais acesso a bens duráveis, especialmente eletroeletrônicos, elevando assim o consumo de energia elétrica.
Assim, investem em meios “alternativos” para se adaptarem à nova realidade de consumo e de gastos. Enquanto isso, o que se vê é a criminalização da pobreza, como se só os favelados recorressem ao ato ilícito.


Publicado no link:
http://odia.terra.com.br/portal/conexaoleitor/html/2010/8/hilaine_yaccoub_gato_e_um_negocio_102301.html

domingo, 8 de agosto de 2010

O Antropólogo Extramuros


O Antropólogo Extramuros é aquele que atua além dos muros da Universidade. No Brasil, é incontestável a resistência e também a crítica no que se refere a antropólogos atuarem fora do ambienta acadêmico, mais precisamente em empresas.


Talvez, por ser a antropologia brasileira tradicionalmente ligada a alguma forma de movimento popular, engajamento político, e também os temas estudados estarem todos ligados a essas questões minoritárias, os pobres, os índios, os marginalizados, os negros, os camponeses, os trabalhadores, todos pertencentes a algum grupo oprimido que precisaria de um defensor, ou até um porta-voz.


Barbosa e Campbell (2006) argumentam que o tema consumo dentro das ciências sociais até recentemente era quase inexistente, e sofria de “preconceitos morais e ideológicos”. Os autores
afirmam que apenas economistas e profissionais de marketing expressavam algum interesse em se aprofundar nos estudos.


No entanto, a partir do final da década de 1970 há uma começo de interesse pelos historiadores e cientistas sociais pelo estudo do consumo como fenômeno nos Estados Unidos, e no caso do Brasil, o tema segundo os autores, ainda levanta “suspeitas”, sendo colocada a Antropologia do Consumo como um tema de menor relevância. Dessa forma, o tema consumo sempre foi acompanhado por inúmeros “vieses interpretativos ”como “consumismo”, “fetichismo”, “materialismo”, e que dentro das ciências sociais no Brasil, é visto como algo diretamente ligado ao “produto direto da produção, sem qualquer relação de exterioridade a ela” (p.11).


Presume-se que se o tema consumo como objeto de pesquisa, assim como a Antropologia do Consumo como disciplina sofreu e sofre preconceitos e resistências dentro dos muros da Academia, a atuação de um antropólogo (extramuros) dentro de uma empresa, instituto de pesquisa ou agência de publicidade para desenvolver etnografias se dá da mesma forma.


Mattos (2003) aponta que o número de antropólogos interessados em atuar no mundo empresarial é bastante reduzido. Barbosa (et alli) explica a escassez justamente fazendo referência ao caráter ideológico das ciências sociais, diferentes dos Estados Unidos onde a disciplina seria dotada de um caráter prático e empiricista. O autor afirma que até bem pouco tempo as ciências sociais eram influenciadas pelas políticas de esquerda, e por fatos sociais, compreendidos nos grandes temas como pobreza, sindicado, desigualdades sociais, cultura, etc.



Em seu livro Igualdade e Meritocracia a antropóloga e consultora Lívia Barbosa dedica parte de
seu trabalho em conjecturar a atuação e o lugar da profissão do antropólogo, fora e dentro da
academia. Ela afirma que o papel do antropólogo desde sua mais tradicional atuação foi permeada de oportunidades fora da academia, seja em agências governamentais, ou instituições sem fins lucrativos.


A autora faz um histórico do profissional da antropologia em variados meios, apontando como a
antropologia foi utilizada como fonte de renda para diferentes grupos e atores. Uma das suas mais importantes contribuições refere-se à questão do cuidado que se deve ter quanto à banalização do conceito de cultura e pesquisa etnográfica.


O pesquisador seja antropólogo ou de outra área (como os da área de marketing) deve ter o cuidado na realização da pesquisa etnográfica para não cair no erro de fazer apenas uma descrição detalhada, ou densa. No campo da antropologia, dados são reconhecidamente vazios se não são acompanhados de uma análise teórica adequada.

Assim, Barbosa (2003) aponta:


“... a produção teórica encolheu com a vulgarização. Grandes descrições foram equiparadas a
etnografias, e estas a observações participantes, que nunca foram mais do que grandes relatos...”
(p. 177)


Dessa forma, não basta colher uma infinidade de dados, se não houver um entendimento claro e
contextualização teórica do que os dados estão se tratando, a pesquisa é vazia e obscura. Assim, o
antropólogo atua dentro desse campo com maior destreza, pois sabe que o dado puro e simples não justifica nem apreende por si só. Seu background teórico é necessário para utilizar de forma adequada os métodos de pesquisa e avaliar os resultados posteriores.


A etnografia e a observação participante aplicadas ao mercado é possível se realizada por um profissional experiente, a longo prazo, com profundidade teórica e de imersão no campo.



Referências Bibliográficas:



BARBOSA, Lívia. Igualdade e Meritocracia: A ética do desempenho nas sociedades modernas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003.


BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006.


MATTOS, André Luis L B. Antropólogos e antropologia entre o acadêmico e o não-acadêmico: outras inserções”. Dissertação de Mestrado, IFCH/Unicamp. Março 2003.

O tal olhar de perto e de dentro


Segundo Cardoso de Oliveira (2007), “A antropologia tem sido tradicionalmente caracterizada como uma disciplina que procura articular o olhar de fora com o olhar de dentro” (p.7), privilegiando, especialmente, o ponto de vista do nativo.
Ou seja, para este autor, esse entendimento da “cabeça do nativo” recai na atuação empírica do antropólogo como tradutor dos atos simbólicos, através das representações que os nativos têm das coisas e atitudes. Assim, para ter essa relação próxima, ele precisa, “estabelecer uma conexão fecunda entre seu horizonte e o ponto de vista do nativo”.
Demonstrar a compreensão da visão do “nativo”, do consumidor final, é tão importante quanto a visão macro do sistema estratégico empresarial e do Estado. No caso do campo da energia elétrica, após realizar pesquisas acerca da temática foi verificado que não havia qualquer investimento ou material que divulgasse ou apresentasse o ponto de vista dos consumidores, suas formas de uso e manipulação da energia.
O que foi encontrada tratava os usuários como números, índices, gráficos, estatísticas frias e segmentações de mercado através de perfis que nem sempre se aplicam, classificam sim, mas não explicam nada. Ou seja, são segmentados por características que muitas vezes não correspondem a sua identidade de consumidores. São atores sociais anônimos que estão à margem de uma humanização ou personificação, não possuem nome, desejos, flexibilidades para suas necessidades de consumo e pagamento.

A antropologia busca então mostrar que apesar dessa “invisibilidade”, os moradores (consumidores) possuem múltiplas redes, formas de sociabilidades, estilos de vida, deslocamentos, conflitos, etc. (MAGNANI, 2002). Esses constituem elementos que demonstram que os atores estão longe de serem pessoas passivas, devido às condições de desfavorecimento sócio-cultural ou econômico. Muito pelo contrário, essa rede cria meios de utilizar e reinventar serviços a seu favor - usos e contra-usos.
Daí a importância da realização de um trabalho de campo, uma imersão total no campo do outro, sem entrar no campo das moralidades, e sim, tentar olhar de perto e de dentro, esforçar em simplesmente conhecer e se colocar no lugar daquele que desejamos entender. Como saber o gosto de uma comida saboreada e valorizada pelo seu grupo se há preconceito por parte do pesquisador em experimentá-la? Obviamente que respeitando certos limites, até porque todos possuem os seus, há de haver uma flexibilização para entrar no universo do outro e compartilhar com ele o novo cotidiano e oportunidades que se apresentam. Só desta maneira se poderá pensar em uma legitimidade no conhecimento adquirido, pois só o pesquisador esteve lá, compartilhou, se relacionou e está munido de dados para posterior análise.

O “gato” é um exemplo, a comprovação que mesmo perante norma oficial (lei) e repressão institucionalizada (combate), há uma regra social tácita sendo colocada em prática, longe de todo discurso moral divulgado na mídia e empresas concessionárias. Como perceber todas as nuances e especificidades de grupos sociais múltiplos estando de longe e de fora (dentro dos escritórios, por exemplo0? Ainda mais, quando as relações estabelecidas se dão de forma assimétrica – “ricos e pobres”, “letrados e ignorantes”, “poderosos e dominados”? Posicionamentos dicotômicos tomados pela moralidade e paradoxo.
Enquanto isso, projetos sociais, educativos são elaborados com uma linguagem que não é entendida pela população-alvo. Trabalha-se muito pautado nos próprios valores daqueles que estão do lado de fora, sem sequer contextualizar, muitas vezes, de forma acertada as regras sociais e morais que poderão sim, sensibilizar aqueles que precisam mudar sua cultura e comportamentos de consumo.
O ofício do antropólogo, além da produção do conhecimento intelectual, é simplesmente traduzir diferentes comportamentos baseados nos contextos que eles ocorrem, para que não haja de forma alguma distorções, preconceitos e etnocentrismos.

Referências Bibliográficas:
CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís R. O Ofício do Antropólogo, ou Como Desvendar Evidências
Simbólicas, Serie Antropologia Vol 413, Brasília: DAN/Unb, 2007

MAGNANI, Jose Guilherme C. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. RBCS. Vol 17 n 49 junho, 2002.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Entrevista Fazendo Media



Eles desconhecem: os engravatados estão lá dentro dos seus escritórios, a visão é extremamente estereotipada”



Entrevista com Hilaine Yaccoub, na Casa França Brasil, local onde a antropóloga já trabalhou como guia de exposição. Foto: Gabriel Bernardo/Fazendo Media.

"Hilaine Yaccoub é antropóloga, morou 8 meses num bairro pobre de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, para analisar o consumo indevido de energia elétrica nas camadas populares da sociedade. Hilaine fez ciências sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), trabalhou em várias ONG’s, e foi fazer um mestrado no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBE) em estudos populacionais e pesquisas sociais. Trabalhava a mensuração do terceiro setor no Brasil, e apareceu um trabalho de analista social na Ampla [Energia S.A], concessionária de Niterói.


Assim que ela enveredou nos estudos dos vulgos “gatos” nas comunidades populares, adquiriu conhecimento na área também participando de atividades do setor e hoje pretende passar alguns anos no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, fazendo uma pesquisa para seu doutorado em antropologia do consumo. Yaccoub não poupa críticas ao setor, evidenciando suas mazelas, e aponta alternativas para a redução do roubo de energia no país.


Como foi sua experiência na Ampla?


Eles tinham um projeto chamado Guardiões da Comunidade, e o diretor era um visionário, queria entender quem era o cliente dele. Na entrevista, me perguntou: por que os meus clientes fazem gato? Não sei, a resposta que vem a cabeça é por malandragem ou necessidade, mas eu acho que isso é muito superficial. Até porque as próprias pessoas que fazem não têm consciência, elas não racionalizam o porquê delas fazerem: está dentro do inconsciente coletivo.


Desde que eu me entendo por gente sempre existe, principalmente na época da estatal, acho que foi estatizada em 1996. Eu disse: existe um método de pesquisa da antropologia chamado etnografia e observação participante, que é você se misturar no contexto do seu nativo, na realidade dele. Porque não adianta eu interpretar o que ele faz, o comportamento dele, se eu não estou compartilhando dos mesmos valores e do seu contexto. Você continua sendo você com os seus valores e suas regras, na verdade você compara…


E compreende...


E compreende daquela realidade. E ele falou assim: Você moraria numa comunidade? Moraria. Eu achava muito interessante, porque era o Guardiões da Comunidade só que ninguém atuava em comunidade nenhuma. Eram bairros muito pobres, mas não era favela, e todos os executivos da empresa falavam comunidade no sentido de favela.


Continua... acesso e link abaixo

http://www.fazendomedia.com/eles-desconhecem-os-engravatados-estao-la-dentro-dos-seus-escritorios-a-visao-e-extremamente-estereotipada/