sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Matéria do Saude.com



Uma verdadeira pesquisa sobre consumo





Hilaine fala com o saúde.com.br sobre a experiência a partir do Projeto de Imersão Social, as lições aprendidas e que resultados conseguiu, com essa grande aventura antropológica.

Saúde: Nos conte um pouco sobre a sua pesquisa. Quais os principais objetivos e por que realizar uma análise tão profunda sobre os habitos de consumo desse público específico?

Hilaine: A pesquisa foi concebida durante o processo seletivo para participar de um projeto da área comercial da empresa concessionária de energia elétrica. Durante a conversa, quando o diretor explicava o que esperava de mim, apontei que o ideal seria a realização de uma investigação mais profunda, conhecer o cliente de uma forma integral seria vital, no caso, fora do horário comercial. Além disso, como uma das questões se tratava de uma questão delicada, sobre furto/desvio de energia elétrica mais conhecido por “gato”, seria importante que alguém imparcial percebesse como esse tema era visto e tratado na comunidade. Na realidade era de interesse da empresa tentar entender o que justifica, e o que levava o cliente a fazer o gato, entre outros fatores envolvidos.As abordagens quantitativas se mostram insuficientes no tratamento de situações em que se procura por dados subjetivos, o que é comum ocorrer quando se trata da opinião bem como na formação sócio-cultural de um determinado grupo social.Assim, a partir da necessidade de se conhecer mais o cliente - uma vez que estar na comunidade em horário comercial passou a não ser suficiente para perceber como esse morador vive e se relaciona – foi desenvolvido em março de 2007 o Projeto de Imersão Social que consistiu em uma pesquisa qualitativa onde a etnografia através da observação participante foi uma das formas encontradas que permitiria buscar na própria vivência com os consumidores os dados necessários para se compreender suas ações, seus hábitos, a forma como pensam e seus valores morais e éticos.
Saúde: Por que o as empresas estão está tão preocupado em entender e atingir o público de baixa renda?Hilaine: Nesse caso, estamos lidando com um bem que se entende por necessário, a energia elétrica, e mais ainda, estamos lidando com um sistema muito próprio onde o desvio de energia elétrica é comum e por muito tempo foi culturalmente aceito. A idéia de que se desviava energia do Estado, no caso a antiga CERJ, dava propriedade a quem o fizesse e era comum, principalmente nos bairros mais pobres, rouba-se do Estado e tudo bem por isso. A noção de que se suja a rua pois a rua não é de ninguém, a energia elétrica também não é de ninguém, é algo que vem do fio, da rede e está ali para quem quiser, como o ar, como o mar...esse pensamento é um fator que contribui para a perpetuação dessa lógica, criou-se uma prática que hoje custa a ser desfeita. No caso da empresa em questão, houve uma tentativa de entender essa lógica, de tentar prestar atenção nos valores morais e éticos que norteiam seu cliente. O que ele valoriza? O que para ele é certo e errado? E ao descobrir, desenhar ações que interrompam a prática ilegal.O grande público cliente da concessionária e onde está o problema é nas áreas mais pobres da cidade, onde está o público de baixa renda, por isso, o projeto foi implementado dentro desse perfil.
Saúde: Como os dados coletados afetam a percepção do mercado? Que tipo de informação pode ser atingida através de uma pesquisa de campo?

Hilaine: Os dados são coletados informalmente, as pessoas vêem o pesquisador como um consumidor/ morador comum, o que faz com que os pesquisados se sintam a vontade para falar o que realmente pensam, o que muito diferente quando ele responde um questionário, o que eu consumo é muito diferente do que eu digo que consumo, ou o que eu gostaria de consumir. Quando fazemos um trabalho de campo, estamos percebendo tudo que está relacionado ao nosso objeto, as falas, os gestos, os discursos prontos, pode-se ir além a uma resposta pronta. Assim, nas conversas informais, coleta-se uma série de dados relevantes que foram percebidos no processo da construção da etnografia, que não é uma simples descrição profunda, que comumente realizada por pesquisadores que não são antropólogos de fato, uma descrição densa não é uma pesquisa etnográfica. A pesquisa etnográfica entre outros fatores faz com o que o pesquisador pense como o seu pesquisado, entenda a sua forma de pensar, agir, ser. Ele faz um desenho acerca da identidade daquele grupo social, suas crenças, sua moral, sua ética, seus gostos, sua religiosidade, etc. Quando se fala em consumo tudo está envolvido, o que faz com que o consumidor abra a sua carteira e decida em pagar por um serviço ou produto é a grande questão.

Saúde: Qual a ligação do dia-a-dia das pessoas com o seu consumo de energia elétrica? Existem paralelos entre as nossas ações cotidianas e como nós consumimos determinados produtos?

Hilaine: Muitos clientes não vêem o consumo de energia elétrica como um serviço. Após o plano real, e a grande profusão de compra de bens de consumo duráveis, como eletrodomésticos e as facilidades que algumas lojas dão em parcelamento de compras, a população mais pobre passou a consumir muito. São refrigeradores, ar refrigerados, TV de 29 polegadas, microondas, home theather e por ai vai... todos ligados de uma só vez, em barracos que não tem um acabamento sequer, em ruas com lamas e sem luz elétrica pública. Ou seja, o consumidor da classe C, D, E, está consumindo como nunca, mas não vê que esse conforto gera custos alem da prestação do carnê da loja. Quanto mais eletrodoméstico, mais conforto, porém maior é o consumo de energia e portanto maior a conta de energia elétrica.Assim, percebi que para esse público em questão o valor da posse do produto é um elemento extremamente importante. Ele precisa consumir, comprar para ter, para se incluir socialmente. Ele compra para ter algo a mais, e não é só status, ele compra para se sentir incluído, se sentir um individuo na sociedade moderna.Ele poderia gastar o mesmo valor da parcela levando a família ao cinema, ou fazendo uma viagem nas férias. Mas esse tipo de entretenimento não é um bem palpável, ele não toca, a viagem se esquece, o filme também, é mais vantajoso para ele comprar o aparelho de DVD e ficar em casa assistindo os mais variados filmes que ele aluga na locadora, ou que ele pode adquirir o DVD pirata.O que percebi é o que para a classe média é algo comum, para as classes baixas é luxo. Ter conforto significa ter bens de consumo em casa. Ficar em casa é, nos finais de semana, um valor, pois sair de casa significa ter custos “com nada”, passagem de ônibus, comer fora, cinema, teatro, não estão dentro dos sonhos de consumo dessas classes.Daí a gente percebe, se eu fosse perguntar a um chefe de família se ele gostaria de viajar com a família ele diria que sim, mas ele não se esforça para fazer isso, não é algo que ele investe. Mas pagar a parcela do carro, pagar a parcela das lojas de eletrodomésticos ele aceita e faz.O que faz com o que o meu cliente pague por determinado tipo de produto e/ou serviço é a grande charada.No caso da empresa concessionária de energia elétrica, o grande problema enfrentado era que os seus clientes estavam em dia com o carnê das lojas de eletrodomésticos, como as Casas Bahia, e também com a Telemar. Pois comprar os produtos e não sujar o nome do SPC ou Serasa era importante para continuar comprando, e como o público do projeto era de maioria nordestina, falar com os familiares e ter uma forma de comunicação era importante. A Telemar criou um plano com taxa mínima para atender esse público, o que a meu ver foi muito inteligente.

Saúde: Que benefícios uma pesquisa de campo como a sua podem trazer para uma empresa?

Hilaine: A pesquisa de campo faz com que você faça uma verdadeira imersão dentro daquele campo, dá para fazer trabalho de campo em todo lugar, seja num supermercado para perceber como os clientes olham e tocam num determinado produto em alguma prateleira, ou por exemplo dentro de um salão de beleza para perceber como os clientes reagem quando usam a tintura X, ou dentro de um restaurante, ou bar, ou dentro de um bairro, como foi o meu caso.Saber o que o cliente necessita e pensa acerca de um determinado produto ou serviço é o sonho de toda empresa. Poder adequar seus produtos e serviços a esse cliente é o desejo de uma empresa que está preocupada com algumas questões, seja melhora do seu produto, ou imagem, ou seja no desenvolvimento de serviços, etc...A possibilidade de estar inserido em uma comunidade, como um morador comum, fazendo parte do seu dia a dia, tendo a possibilidade de mapear seus valores, comportamentos, impressões e hábitos, assim como diagnosticar dificuldades e ainda poder avaliar como os serviços e os produtos de uma empresa são recebidos é uma possibilidade ímpar, e para isso a utilização de uma metodologia da pesquisa social, atrelada a Antropologia Cultural é um diferencial onde dá oportunidade ao pesquisador se misturar à comunidade que está sendo estudada, construindo relações sociais cotidianamente para que de forma natural, tente entender como pensam os moradores da comunidade em questão, permitindo assim colher e interpretar as informações que serão úteis para a empresa.Acredito que o pesquisador antropólogo pode captar essas informações, que muitas vezes são tênues, e junto a outros profissionais, seja de marketing, pesquisa e desenvolvimento, podem criar e avaliar processos de trabalho, assim como produtos, ou a inserção de uma determinada publicidade, enfim, pode-se entender e desenhar a rede que se forma tendo o objetivo da empresa previamente elaborado como foco principal.

Saúde: Como foi realizar essa pesquisa em campo? Você teve uma experiência única de viver em um ambiente que não lhe é comum, quase uma aventura antropológica. Como foi ter a vida de uma outra pessoa?

Hilaine: Não é bem assim, eu não tive a vida de uma outra pessoa, eu tive a minha vida dentro de outro universo. É como se eu me mudasse e fosse fazer minhas relações sociais, so que estas estavam focalizadas para um determinado propósito.E realmente, um trabalho de campo sempre é uma aventura antropológica. Mas eu não inventei essa pesquisa e muito menos esse processo, antes de mim, vários antropólogos desenvolveram suas pesquisas, desde os tempos mais remotos, a cultura material, ou seja, o estudo dos objetos é um elemento comum na antropologia, tentar entender um grupo a partir do que ele consome ou usa os objetos é uma constante desde os tempos mais remotos das ciências, seja antropologia ou arqueologia. A diferença é que hoje desenvolvemos um estudo do tempo presente, com outras finalidades que foram adaptadas para o mundo empresarial.Esse tipo de pesquisa possibilita ter acesso a dados que o grupo ou comunidade considera ser de domínio privado e isto envolve presença física e compartilhamento de experiência de vida, mas também no ingresso do seu mundo simbólico e social, aprendendo suas convenções sociais e hábitos, seu uso de linguagem e comunicação não-verbal.Pesquisas como essa, com esse porte, onde muitos recursos estavam envolvidos, além de tempo, precisam ser pensadas e desenhadas com calma, pois não dá para se voltar no tempo, portanto, houve uma preparação para a entrada no campo, que vai desde a escolha da casa onde morei, a compra de roupas de acordo com a moda local, localização de serviços de saúde e comércio, etc. Alem de procurar possíveis informantes-chave no local.

Saúde: Que habitos da comunidade lhe foram peculiares? Existe muita diferença de costumes entre classes sociais?

Hilaine: Alguns hábitos são peculiares sempre, todo grupo social tem a sua especificidade. Quando pensamos em determinados grupos somos cheios de pré-noções, de pré-conceitos que foram construídos ao longo da nossa trajetória de vida, alguns foram passados para nós, pela família, amigos, colegas, outros construímos baseados nos nossos valores sociais. Todas as vezes que saímos do nosso campo de atuação para algo novo alguns desses valores entram em choque, pois as vezes só os percebemos a partir da distinção, da diferença. Os gostos também funcionam para distinguir, pode-se comprar um objeto, mas a forma como se usa, o jeito ou maneira de utilizar o objeto nos diz muito acerca de quem o comprou.Era interessante ver a moda na rua, ou a forma como os carros eram tratados, envenenados, os tipos de música e lugares onde as pessoas se divertiam também faziam parte desse contexto.Mas sempre deve-se tomar cuidado com o exotismo, ou seja, por ser diferente de mim, eu colocar num lugar de exótico, engraçado ou estranho. As percepções devem estar desprovidas de qualquer julgamento de valor, o pesquisador deve tomar cuidado com seus próprios gostos e valores para não ser subjetivo na análise.

Saúde: Você se surpreendeu de alguma forma com os dados que coletou? Você descobriu algo sobre esse público que foi inesperado?

Hilaine: Quase tudo foi inesperado pois entrei em contato com um público totalmente desconhecido que não teve registro nenhum realizado por nenhum pesquisador.É diferente quando se vai estudar um tribo indígena e antes de ir a campo, Le-se tudo que foi publicado sobre o grupo, ou estuda-se a metodologia utilizada por outro antropólogo, enfim, a teoria trabalha para auxiliar o pesquisador na sua inserção ao campo. No meu caso, eu não conhecia trabalho nenhum parecido, tive que aprender e utilizar outras metodologias fazendo adaptações. Dessa forma, conforme os dados coletados em campo chegavam eu ia reformulando as ações.

Saúde: Como essa experiência lhe influenciou? Seus habitos foram modificados de alguma forma?

Hilaine: A experiência me fez descobrir na antropologia do consumo aliada ao marketing uma possibilidade de atuação profissional. Hoje faço mestrado em antropologia e estudo pesquisa de tendências de consumo na Universidade Federal Fluminense, e espero fazer um MBA em Marketing ano que vem, estou investindo nessa área de atuação pois acredito que meu olhar antropológico possa ser de grande valia para os mais variados projetos.Vejo que muitos colegas pesquisadores têm potencial e preparo para desenvolver pesquisas na área de consumo ou de tendências, mas estão envolvidos na academia e desejam desenvolver projetos próprios. Eu remo contra a maré, tenho um dialogo muito aberto com o mundo empresarial, e pretendo estreitar relações de trabalho no futuro.
Saúde: Pelo que você pode perceber, o público de renda mais baixa se preocupa com questões como alimentação e saúde?Hilaine: O que pude perceber dentro desse público é que existem muitos lugares que vendem lanches rápidos como hambúrgueres e cachorro-quente, as pessoas consomem diariamente, principalmente a noite antes de chegarem em casa. Não há lugar para lazer, portanto não via as pessoas fazendo exercícios como caminhadas ou corridas. Mas havia algumas academias de ginástica, muito simples, que tinham a musculação como principal atividade. O culto ao corpo é presente e nas conversas as mulheres se mostraram mais preocupadas com isso, pois curtem usar roupas mais sensuais e apertadas. As musicas tocadas valorizam as mulheres reconhecidamente gostosas, e na área pesquisada tem 5 x mais salões de beleza e academias de ginástica do que numero de farmácias ou mercados.
Matéria originalmente publicada em http://www.saude.com.br/

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

SEMANA DE ADMINISTRAÇAO UGF

Nesta quinta-feira, dia 06 de novembro, eu estarei apresentando um trabalho acerca da etnografia aplicada à pesquisa de hábitos de consumo durante a Semana de Administração da UGF.

A palestra será dada na Unidade da Universidade da Gama Filho, no shopping Downtown às 19h.

Mais informações, acessem http://www.ugf.br/?q=node/121




SEMANA DE ADMINISTRAÇÃO


27/10

noite: “Lean 6 Sigma” – Caso Xerox do Brasil – Jorge Brazil (Blackbelt)
29/10

noite: “Aprenda a Ganhar Dinheiro no Mercado Financeiro” - Prof. Marcelo Pinto – Auditor do Mercado Financeiro / Banco do Brasil

04/11

manhã: “Empreendedorismo de Base Tecnológica” – Caso Ntime – Rafael Duton -Empresário e Empreendedor Endeavor

noite: “Transforme a Crise em Oportunidade” – XP Investimentos

28/10

noite: “O RH Empreendedor” Profa. Juçara Cerqueira – Diretora de RH
30/10

noite: Gerência de Projetos. Caso: Programa Qualidade Rio – Profa. Margarida Lima


06/11

manhã: A Ferramenta Estratégica do BSC - Balanced Scorecard – Prof. Paulo Peloso

noite: “A Pesquisa Mercadológia e a Etnografia” - Hilaine Yaccoub / Pesquisadora e Antropóloga – Projeto AMPLA

31/10

manhã: “Do Plano ao Negócio” – Daniele dos Santos Martins – Graduada em Administração pela UGF e franqueada do Café Hum



Horário das Palestras:

Turno da Manhã (8h às 12h)
Turno da Noite (19h às 22h)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Retrato Carioca

Consumidor do Rio é exigente e informado

O Globo

RIO - Estudo encomendado à FGV Opinião pelos jornais O GLOBO e Extra mostra que o carioca, o segundo maior mercado consumidor do país, é exigente e informado na hora de ir às compras.

De acordo com o estudo, intitulado ''Retrato Carioca - o perfil comportamental do consumidor carioca'', o preço é importante, mas a maioria dos cariocas paga mais para comprar produtos saudáveis: 31% consomem produtos light e 62% procuram adotar produtos bio (orgânicos) na sua alimentação.

No caso da informação, 72% gostam de estar bem informados sobre as notícias em geral, porque isso é uma questão de inserção social e de status para o carioca.

Foram feitas 400 entrevistas para traçar o comportamento de consumo do carioca, que vive numa cidade onde predominam as pessoas de 20 a 34 anos (28%) e o grupo etário de 35 anos a 49 anos (27%). Os públicos masculino e feminino vivem em razoável equilíbrio, já que 47,5% da população são homens e 52,5%, mulheres. O consumidor carioca se considera alegre (67%), sociável (66%), informal (44%) e aventureiro (30%).

As conclusões do estudo serão apresentadas na próxima quarta-feira, às 9h30m, no auditório do Globo, com a participação de Simone Terra, presidente do Comitê de Promoção, Trade e Varejo da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e especializada em comportamento de compra e varejo no Group Geoges Chetochine, na França, e do publicitário Cyd Alvarez.

O debate vai contar ainda com a participação de jornalistas do Globo, como o colunista Ancelmo Gois; a editora do Caderno Ela, Ana Cristina Reis; e a editora de Economia, Cristina Alves.

O leitores podem participar do debate, mas como as vagas são limitadas é necessário se inscrever através do "retrato.carioca@infoglobo.com.br" até o meio-dia de amanhã.

A presença será confirmada por uma mensagem eletrônica.

Leia a reportagem completa no Globo Digital (somente para assinantes)

Fonte: Jornal Extra
Publicada em 02/11/2008 às 23:59

Dica: Lançamento Imperdível




A Antropóloga Mirian Goldenberg lançara dois livros semana que vem. Para quem não conhece, Mirian pesquisa assuntos relacionados a gênero, corpo, envelhecimento, sempre pautando suas análises nas camadas médias urbanas.
Vale a pena conferir.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

antropologia x pesquisa de mercado II

Um segundo relato: uma nova área de atuação para o antropólogo?

A experiência do Projeto de Imersão Social foi um exemplo de como o uso da pesquisa etnográfica em todo o seu contexto pode ser relevante e aplicável a pesquisa de mercado.

Estudos de comportamentos de consumo, avaliação de impacto de produtos ou serviços, bem como perceber como a própria imagem da empresa está sendo recebida, além de possibilidades para novos negócios (serviços e produtos), são algumas das questões que podem facilmente serem desenvolvidas a partir de um trabalho de campo realizado com essa finalidade.

Tal como nas pesquisas acadêmicas, o campo pode trazer surpresas e modificar objetivos e hipóteses. O pesquisador em ambos os casos deve se mostrar atento e flexível para uma modificação da forma de abordagem e atuação, assim, o método é revisto e refeito muitas vezes em alguns momentos da pesquisa. Se há possibilidade de haver uma pesquisa quantitativa atrelado ao campo, é preferível muitas vezes, pois os dados acabam por direcionar e avaliar se estamos no caminho certo.

Além de trabalhos acadêmicos, observa-se hoje uma tendência das empresas utilizarem ferramentas da antropologia para elaborar estratégias de segmentação de mercado, bem como traçar perfil de consumo, ou elaborar novos produtos e melhorar os serviços e relacionamentos com seus clientes entre outras abordagens. Assim, a pesquisa ganha peso estratégico dentro da empresa, atuando muitas vezes com a área de Pesquisa de Desenvolvimento – P&D, ou então é desenhada junto à área de estratégia de marketing, por ser dotado de riqueza de dados primários coletados e que poderão ser aprofundados e desenvolvidos em outras formas de pesquisa, como a quantitativa, na forma de telemarketing ativo, passivo ou mesmo através de questionários entre outros.

O antropólogo Pedro Jaime Júnior em seu estudo sobre o que ele denomina de “etnomarketing[1]” afirma que “à medida que as dimensões culturais e simbólicas foram ganhando importância cada vez maior na explicação do comportamento do consumidor, os departamentos de marketing das empresas, os institutos de pesquisa de mercado e as agências de publicidade passaram a recorrer ao aporte antropológico” para isso, as empresas abrem espaço para os profissionais das ciências sociais contribuírem com suas percepções e técnicas investigativas para que eles possam traduzir para o mundo corporativo as informações sócio-culturais que tanto necessitam a fim de desenvolver produtos e serviços que melhor atendam aos seus clientes.

Em uma matéria do Jornal O Estado de São Paulo de 11 de agosto de 2006 sobre novas formas de pesquisa de mercado, a antropóloga Paula Pinto e Silva, sócia de uma empresa da área, que tem como um de seus clientes a Procter & Gamble, enriquece a entrevista contando como realiza algumas de suas pesquisas, e afirma que "Virou moda contratar antropólogos para fazer pesquisas etnográficas, onde o campo é a casa do consumidor", diz. A matéria aponta que esse tipo de pesquisa ganhou força no início de 2000, e que as empresas recorreram aos antropólogos para que esses “descobrissem” os hábitos das classes C e D, que passou a ser o grande filão de muitas empresas.

Na mesma matéria, o artigo cita a empresa BOX 1824, que afirma ter trazido para o Brasil uma nova metodologia, chamada por um dos criadores da empresa, Rony Rodrigues de “invasão de cenários” que permite que possa eliminar um vício das pesquisas clássicas de mercado, onde o consumidor diante da situação de pesquisa acaba modificando o resultado. Ou seja, a “observação participante” já tão conhecida por pesquisadores antropólogos foi “re-descoberta” por marketeiros e pesquisadores de mercado.

Talvez por ser uma pesquisa longa e trabalhosa, que sem dúvida, compromete o próprio pesquisador, seja um grande problema para sua aplicabilidade; No entanto, algumas pesquisas com esse know-how têm sido desenvolvidas, levando menos tempo e tendo maior distanciamento, como pesquisas realizadas em corredores de supermercados[2], onde o pesquisador permanece observando os consumidores, suas reações, a forma como pegam os produtos em suas prateleiras. Assim como outros que freqüentam salões de beleza e percebem como determinados produtos são recebidos pelas freqüentadoras.

Em uma notícia da Associação Brasileira de Vendas Diretas, o presidente Rodolfo Guttilla, aponta que hoje o antropólogo é um dos profissionais mais bem aparelhados para revelar os hábitos do consumidor e diz:

Porque o que se entende por hábitos não é mais que mecanismos ideológicos que operam do simbólico para o material ou de uma marca para um produto. São as reações que vão além de fatores objetivos, que trabalham muito a sensação, a fruição, a de prazer, o acesso. E são atributos que se constroem culturalmente, e não estatisticamente”

E continua:

“... apesar da academia torcer o nariz, a metodologia utilizada pelos “antropólogos do consumo” tem como base a etnografia, que começou a ser aplicada no início do século XX, que consiste em acompanhar uma determinada comunidade por um período para conseguir entender a sua visão de mundo e com base em seus próprios valores, e não com a visão da sociedade da qual faz parte o observador.”

Nesta entrevista o que fica claro é a nova tendência que tem sido um campo crescente para atuação do profissional antropólogo fora dos meios acadêmicos, onde suas percepções, observações tem um filtro pré-determinado, e uma aplicabilidade prática com uma finalidade mercadológica.

Em seu livro Igualdade e Meritocracia (2003) a antropóloga Lívia Barbosa dedica parte de seu trabalho em conjecturar a atuação e o lugar da profissão do antropólogo, fora e dentro da academia. Ela afirma que o papel do antropólogo desde sua mais tradicional atuação foi permeada de oportunidades fora da academia, seja em agências governamentais, ou instituições sem fins lucrativos. A autora faz um histórico do profissional da antropologia em variados meios, apontando como a antropologia foi utilizada como fonte de renda para diferentes grupos e atores.
Uma importante contribuição da autora é quanto a questão do cuidado que se deve ter quanto a banalização do conceito de cultura e pesquisa etnográfica. O pesquisador, seja antropólogo ou de outra área (como os da área de marketing) devem ter o cuidado na realização da pesquisa etnográfica para não cair no erro de fazer apenas uma descrição detalhada. No campo da antropologia, dados são reconhecidamente vazios se não são acompanhados de uma análise teórica adequada.
Assim, a antropóloga aponta que “a produção teórica encolheu com a vulgarização. Grandes descrições foram equiparadas a etnografias, e estas a observações participantes, que nunca foram mais do que grandes relatos...” (pág 177).

Dessa forma, não basta colher uma infinidade de dados fazendo descrições densas, se não houver um entendimento claro e contextualização teórica do que os dados estão se tratando, a pesquisa é vazia e obscura. Assim, o antropólogo atua dentro desse campo com maior destreza, pois sabe que o dado puro e simples não justifica nem apreende por si só. Seu background teórico é necessário para utilizar de forma adequada os métodos de pesquisa e avaliar os resultados posteriores.

[1] JAIME, Pedro Júnior. Etnomarketing:antropologia, cultura e consumo. Revista de Administração de Empresas. C.41, n.4, p 68-77. São Paulo. Out/ Dez 2001.
[2] Idem nota 12,


antropologia x pesquisa de mercado

Um primeiro relato: A aplicação da etnografia no desenvolvimento da pesquisa de hábitos de consumo


Desde o primeiro dia em que me propuseram o trabalho de campo para analisar os hábitos de consumo de clientes de uma empresa privada tive a plena consciência que entrava em campo de atuação novo, pois desde as mais remotas lembranças nunca havia tido contato, nem lido nenhum artigo sobre qualquer pesquisa parecida com a que estava se estruturando ali, em minha frente.
Morar em uma comunidade popular durante 8 meses, em um bairro pobre de um município conhecidamente carente de todos os serviços públicos e privados, seria uma experiência ímpar para a realização de um trabalho complexo e árduo, mas que seu ineditismo, ao meu ver, chamava atenção para o novo, para o mistério, a curiosidade aguçada em colocar em prática o que tantos outros antropólogos já faziam, observar os “imponderáveis da vida cotidiana” como bem dizia Malinowski, captar o que nenhuma pesquisa quantitativa permitia, a tal da observação participante, só que desta vez, focada para outro objetivo: o consumo.

E como estudar consumo de outras pessoas? Perguntar simplesmente o que elas gostam ou consomem? O que é bem diferente, pois se pode gostar de um determinado produto e não ter dinheiro para adquiri-lo. Questões como essas a pesquisa quantitativa através de questionários poderia traçar perfis dos consumidores, mas como meu contratante era uma empresa de energia elétrica, tivemos que pensar em outra saída.

Saber o que os consumidores de energia elétrica pensam sobre seu consumo, onde vão para fazerem suas compras, o que valorizam na hora de comprar algo, como enxergam a empresa em questão, se estão satisfeitos com seus serviços, etc, eram alguns dos objetivos que norteavam a pesquisa. Assim, para entender essas e outras questões participei da vida cotidiana do bairro, uma casa foi alugada e mobiliada, participei do dia a dia do lugar, comprei nos mercados e lojas da redondeza, freqüentei bares e danceterias, estabeleci laços próximos, freqüentei casas de moradores, e somente dessa forma pude responder alguns pontos relacionados aos hábitos de consumo dos clientes e traçar um perfil do cliente que atendesse as expectativas prévias.
A experiência foi um exemplo de como quebrar paradigmas no que se refere ao lugar do antropólogo no mercado de trabalho, onde sua atuação pode ser muito mais plural e diversa do que se imaginava tempos atrás, onde sua pesquisa restringia-se a alguns poucos campos temáticos como aponta Lívia Barbosa quando fala do número elevado de produções acadêmicas sobre “seringueiros, quilombolas, favelados, presidiários, trabalhadores urbanos e tantos outros grupos”.
A autora, ao argumentar sobre o lugar do antropólogo dentro do mercado, atuando como consultores dentro de empresas afirma que os acadêmicos se restringiam aos chamados grandes temas, que para ela indicava que “a realidade dos “despossuídos” estava e está investida de uma legitimidade que não se estende ao estudo do grupo no topo da pirâmide social"
Enfim, além do resultado, e a aplicabilidade de uma ferramenta antropológica a pesquisa de mercado, tratou sobretudo em usar a experiência como um pretexto para uma reflexão sobre esta demanda crescente do mercado em relação ao saber antropológico que, de certa forma, passa a constituir um bem simbólico e um recurso estratégico que confere legitimidade e distinção às empresas que o utilizam.
Seria o antropólogo, dotado de uma espécie de “poderes”, que consegue desvendar as mais sutilezas vontades e desejos não revelados de um mercado ávido por consumir?
Acessem o site: www.saude.com.br
e Leiam na íntegra a entrevista dada sobre o projeto desenvolvido em 2008 em uma empresa privada do setor elétrico.